Um boato inocente e despretensioso começava a circular pelo vilarejo, correndo de boca em boca, até cair nas graças de alguns. Uma revolução do povo está chegando, eles diziam. Segundo os observadores mais atentos, em breve, os tiranos cairiam e o poder retornaria para as mãos do povo. Com essas palavras, o devaneio de alguns homens começou a ganhar força e a unir simpatizantes, afinal de contas, aquele discurso em especifico tinha o poder de atingir em cheio uma certa parcela da população, os menos afortunados. E mesmo sem um rosto ou nome forte por trás, um simples burburinho tornou-se notável, chegando ao ponto de chamar a atenção de um certo grupo de oficiais de Iwagakure. Na sua maioria, esse grupo de oficiais era composto por ninjas de alta patente e pelos representantes dos homens mais influentes do país, como, por exemplo, os comerciantes e os donos de minas.

Em uma noite quente e abafada, alguns homens inomináveis e preocupados se reuniram em uma sala escura e fétida. Conforme o tempo passava, um a um, eles chegavam, acomodavam-se em uma das velhas cadeiras de madeira e, então, aguardavam.

— Boa noite, senhores — o homem em uma das pontas da mesa começou, sua bandana refletia o símbolo de Iwagakure. — Bom, como a maioria aqui deve saber, não podemos continuar ignorando estes rebeldes. É por isso que convoquei essa reunião extraordinária.

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— Eu bem que avisei — um homem na casa dos 70 interrompeu a fala do outro, enérgico. — Sempre soube que esses terroristas causariam problemas no futuro. Eu avisei! E se querem mesmo saber, precisamos cortar a cabeça de todos, sem piedade, antes que as coisas saiam do controle. — Reagindo às falas do velho, todos na sala se entreolharam, ponderando sobre a sugestão radical do ancião.

— Não é para tanto. Eu sei que eles estão ganhando força pelas ruas, mas não tenho certeza se a nossa intervenção é mesmo necessária. Por isso, voto em esperar. Aposto que em algumas semanas ninguém vai estar mais falando deles. Sem contar que, ao deixar um rastro massivo de corpos, corremos o risco de criar um mártir para a causa. Então, ao invés de continuar espumando nessa espelunca, por que não vamos beber uma? A primeira rodada é por minha conta. — Outro membro do grupo deu a sua visão acerca do caso, dividindo opiniões. Enquanto alguns queriam cortar o problema pela raiz, outros, por sua vez, prezavam pela segurança e discrição, tendo em vista os piores cenários possíveis.

— De fato, ambos estão certos. Mas talvez haja um meio termo — o ninja na ponta da mesa voltou a falar. — Proponho o seguinte: Vamos usar Iwa para fazer o trabalho sujo. Tudo o que precisamos é de um bode expiatório para caçar a mente por trás dos rebeldes. Fazendo tudo por baixo dos panos e escolhendo um ninja sem muita importância, podemos abafar a história caso algo saia do controle.

Ao ouvirem os planos do ruivo, todos na sala pareciam ter chegado a um consenso. Assim, quando a votação começou, os presentes balançaram a cabeça positivamente e levantaram a mão, concordando com a proposta.

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Já era de manhã quando Ethan chegou exausto em casa. Ainda desorientado, tirou algumas anotações do bolso da calça e as colocou sobre uma mesa de cabeceira aos pedaços. Então, antes de dormir, sentou-se na cama e analisou cuidadosamente cada uma das informações recolhidas. Depois de tantas noites em claro, tendo visto inúmeros rostos, sendo obrigado a gravar todo o tipo de detalhe ou informação, não se lembrava com facilidade do que ocorreu horas antes. O Hattori havia mergulhado em uma espiral de dias e rostos, onde já não era capaz de discernir sobre cada um dos eventos que presenciou na noite em questão. Por isso, adotou o rito; sempre que chegava em casa pela manhã, listava os achados e catalogava-os em um dossiê, de acordo com a importância e o dia da semana. Após isso, deixando todo o resto de lado, colocava a cabeça no travesseiro e apagava.

Quando acordava, sempre por volta das oito da noite, as coisas não eram muito diferentes. Ele levantava, revisava algumas pistas e já traçava um plano de ação para o restante da noite. Basicamente, desde que recebeu aquela missão, a sua vida se resumia a isso. Ethan, o ninja de Iwagakure, não existia mais. Agora, ele vivia uma vida que não era a sua, seguindo ideais que não eram os seus. Quando as ordens chegavam, era esse lado que os figurões da vila esperavam encontrar; ninguém nas ruas queria falar com o ninja infame e antipático chamado Ethan, na verdade, todos estavam mais interessados no garoto revolucionário que começava a chamar a atenção por causa dos seus discursos inflamados.

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Com as costas em uma parede áspera, que ficava localizada em um beco na periferia da vila, Ethan observava discretamente o fluxo de pessoas. A poucos metros, via alguns moradores de rua em volta de uma fogueira improvisada, dentro de um tonel enferrujado. Assim como os todos dias, aqueles mesmos homens se reuniam e começavam a beber e a jogar conversa fora. Para alguns, não havia nada demais acontecendo no beco, afinal de contas, era um absurdo supor que um bando de bêbados tramaria um golpe de estado em um lugar como aquele. No entanto, para Ethan, naquele momento, os “vagabundos” eram as pessoas mais poderosas da vila. Diferente dos outros, o Chunin já havia presenciado outras vezes o poder contido naquela troca informal e despretensiosa de informações. Aqueles homens e mulheres, abaixo de qualquer radar, viam e ouviam os segredos que alguns estariam dispostos a matar para ocultar. E como se não fosse nada, eles fofocavam e riam sobre as ocorrências.

— Qual é? Eu juro que não é mentira — o homem riu e deu mais um gole na cachaça. — Fiquei sabendo que ele está fazendo isso porque a família perdeu todo o dinheiro. Pelo que ouvi, o coitado investiu tudo naquele empreendimento inovador.

— Tava na cara!! Tenho um primo que tinha comentado sobre. Ele disse que os caras viajaram o mundo todo assim, enganando os desavisados. É, tô falando, os desgraçados são bons no que fazem. Nunca usam a mesma equipe e “tinham” uma cartela invejável de clientes. Até eu investiria neles se tivesse dinheiro — acompanhando as risadas à sua volta, esse outro homem voltou a rir, debochando da situação.

— Parece que enganar os outros tá na moda — uma mulher se aproximou do grupo e tomou um lugar em volta da fogueira. No seu rosto muitas rugas e uma expressão inflexível. — Se não acreditam, vejam isto — retirou um panfleto de uma das mangas rasgadas. — Uma revolução para devolver o poder para povo e retomar a glória de Iwa... É cada uma, viu. Se algum dos machões aí quiserem fazer parte da história, é só irem naquele pulgueiro que eles chamam de bar. É lá que estão recrutando — brincou.

Mesmo distante, Ethan conseguia ouvir com perfeição cada uma das palavras ditas no beco. Então, com certa dificuldade, procurava guardar cada uma das informações soltas ao vento, passando mais uma noite em claro. As olheiras e a exaustão acompanharam-no enquanto ele caminhava pelas ruas desertas, voltando para casa. No caminho, aproveitou que as informações ainda estavam frescas na memória e começou com as anotações ali mesmo.

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Era duas da manhã quando Ethan entrou no bar conhecido como pulgueiro. Embora fosse tarde, a música alta e os risos estridentes continuavam a ecoar pelas ruas desertas do vilarejo. As mesas estavam todas ocupadas, na sua maioria, por grupos mal encarados. Procurando um lugar para se sentar, Ethan logo achou um perto do balcão, onde o barman estava. Então, tentando fugir dos olhares que o cercavam, caminhou até lá e se sentou.

— Nossa, aqui é sempre tão movimentado? — disse logo depois de se sentar, tentando quebrar o gelo.

— Vai beber o quê? — o barman respondeu, inexpressivo. — Se tiver dinheiro, não dou a mínima para a sua idade. Mas, agora, se veio para conversar, pode dar meia volta.

— Bom — Ethan pegou a carteira e começou a contar o dinheiro. — Pode me dar o saquê mais vagabundo que vocês tiverem aí — finalizou, olhando as pessoas em volta enquanto a bebida não era servida.

Até então, apesar da sujeira e do barulho, o Chunin não tinha do que reclamar. Continuou encarando cada sujeito mal encarado do lugar, concentrado em flagrar marcas de nascenças ou cicatrizes. Isso seria útil para o relatório. Então, de maneira rude, o barman bateu a garrafa no balcão, chamando a atenção do garoto. — Ei, se não quiser arranjar problemas, é melhor parar de encarrar os clientes — o homem alertou.

— Então é verdade sobre o que falam sobre esse lugar? — não fazendo questão de controlar o nervosismo, Ethan continuou. — Olha, não sou nenhum maluco, só estou procurando alguém. Um amigo marcou um encontro comigo aqui. E sabe o pior de tudo? O desgraçado nem me explicou o que era essa tal oportunidade de entrar para história que encontraríamos hoje a noite. Que saco — fazendo uma careta e vendo a reação do barman, bebericou o saquê.

— Aí, garoto — o funcionário do bar sussurrou —, se eu fosse você, sairia daqui imediatamente. Vai por mim, essa história que te contaram não é bem verdade. Então antes que a pessoa errada te escute, dá o fora.

— Como assim? Por que eu deixaria passar uma chance como essa? Você vai ver, tio, eu vou me tornar um herói e dar orgulho para os meus pais. — Em uma tentativa desesperada, Ethan tentou conseguir algumas informações com o homem antes que fosse tarde.

— Pelo amor de Deus, saí daqui. Esses caras não estão muito interessados em salvar a nação. Na verdade, tudo o que eles querem são soldados para organização criminosa que estão montando sobre um falso pretexto.

Antes que o barman tivesse a chance de continuar, uma garrafa o acertou em cheio na cabeça. Assim como Ethan imaginou, a conversa não passou despercebida pelo bar cheio de ladrões. Foi então que um deles, um homem careca, com 1,80m de altura e uma tatuagem foice no ombro esquerdo, foi na direção da dupla. Com uma feição pavorosa, tocou o ombro de Ethan e cochichou algumas palavras — Se não quiser ter o mesmo destino que o seu amiguinho barman, é melhor desaparecer da minha frente. Eu odiaria bater em uma criança.

Ethan gelou. Queria fazer algo para ajudar o funcionário do bar, mas, diante de um dilema tão grande, tudo que pôde fazer foi correr. Não corria por medo ou covardia; corria pelo bem da missão. Julgando ter todas as fichas para desmantelar aquela conspiração, e para recuperar a sua vida, não arriscaria o sucesso da missão por puro capricho. Então, sem pensar duas vezes, saiu correndo, para que assim, no dia seguinte, pudesse reportar aos superiores todas as informações que coletou durante aquelas semanas tão difíceis.

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