A visão turva, a dor latejante nas costas, um último som de explosão… Batsuki sentou na cama, ensopado de suor e com a respiração entrecortada, seus dedos apertando os lençóis brancos. Mais um pesadelo. Quando eles terminariam? Já fazia sete anos desde o motivo dos sonhos perturbadores. Mexeu os dedos, confirmando estar na vida real. Por que ainda era assombrado…? Fechou os olhos, esfregando-os. Precisava limpar a mente, encontrar um equilíbrio.

—— Batsuki-kun —— a mãe bateu à porta e foi abrindo. —— Batsuki-kun, há um homem na porta trazendo uma missão.
—— Uma missão?

Ela apenas assentiu e voltou a fechar a porta. Tinha feito o mesmo diversas vezes com o pai dele quando este ainda estava vivo. Vivo. Morto. Parecia até que, dentro de sua mente, o pai estava brincando com ele. Num momento tão vivo quanto esteve e noutro, tão morto quanto estava. Ainda precisava entender como aquilo era possível — só não sabia que parte disso aconteceria naquela missão.

Colocou a regata preta que usava por debaixo do casaco ninja porque ainda não tinha começado de fato a manhã. Encontrou um shinobi parado na frente da casa dele com uma roupa típica da vila e um pergaminho em mãos, surrado e ostentando a mesma letra das últimas quatro missões: D. Fez uma careta instantânea. Estava cansado de missões fáceis, ainda que fosse de patente baixa, mas por quê? Ele não era exatamente insubordinado. Seguia todas as normas, jogava com elas, pretendia se tornar o maior ninja dentro do sistema. Ainda assim… faltava alguma coisa.

—— Mangetsu Batsuki.
—— Sim, senhor.
—— Essa missão é classificada como nível D, mas é, provavelmente, a mais importante que entregarei hoje —— Batsuki levantou uma sobrancelha, recebendo o papiro. —— Você ficará responsável por cuidar do cemitério de Iwagakure.
—— Hã? Tô com cara de coveiro?
—— Você tem cara de ninja.
Ele não teve objeções quanto àquilo.
—— Boa sorte.

O homem desapareceu como a maioria dos ninjas de alto escalão fazia. Batsuki voltou para dentro e sentou no sofá da sala com os cabelos em pé. Rompeu o selo oficial da vila, provando que era uma missão verdadeira, e começou a leitura das instruções. Não tinha nada demais naquela missão, apenas cuidar do básico. Dar uma atenção especial a dois pontos e só. Simplesmente uma missão de limpeza como havia feito na biblioteca — em outras palavras, mais uma vez sendo tratado como criança.

Comeu uma refeição completa para iniciar o dia, muito semelhante aos cafés-da-manhã que a mãe preparava ao pai antes de ele ir trabalhar. Agradeceu, do seu jeito torto e grosseiro, vestiu-se e foi para o cemitério se envolver em mais tarefas chatas que não faziam jus às suas habilidades; por que formar ninjas capaz de explodir vilas se eram usados para limpar covas? Batsuki estava incomodado e sua cara de poucos amigos era a prova disso, mantendo os olhos afinados como os de um lince. Apesar disto, não foi imediatamente estúpido com o agente funerário que o atendeu. Recebeu as instruções de onde pegar os materiais e fingiu não estar prestes a explodir; estava ficando cada vez mais comum mentir daquele jeito. Na escola, havia aprendido que falhar em missões, mesmo que por motivos bestas, podia se tornar uma pedra no caminho para progredir na carreira e, embora não se importasse necessariamente com títulos, preferia evitar.

Por quê? Isso ele ainda não sabia.

—— Pelo amor dos céus, por que eu preciso fazer essa porra? —— resmungou carregando alguns dos materiais como baldes e panos. —— Saco. Detesto esse lugar de merda. Estão todos sendo comidos por vermes, não importa estar tudo limpo ou não. —— A reclamação continuou com ele retornando com algumas plantas ensacadas.

Apertando os caules com mais força do que devia, ele não deixou de substituir todas as flores murchas por novas. Muito menos de lustrar cada uma das lápides presentes no cemitério. A morbidez do trabalho foi, aos poucos, aliviando a fúria dentro de seu coração. Eram nomes desconhecidos, com datação mostrando pessoas jovens demais morrendo. Alguns epitáfios comunicavam grandes maridos, esposas e filhos; e outros falavam de soldados…


—— E aí, velho de merda —— falou em frente ao túmulo do pai. Não existiam flores ali. A mãe não visitava o ex-marido há sete anos, às vezes ele tinha a impressão de que, se pudesse, ela mesma nem fazia questão de se lembrar dos tempos casada. Ele também não levava flores para o motivo das costas doerem em climas frios. Começou a passar o pano na lápide, primeiro devagar e depois, com pressa. —— Sabe… talvez você tivesse razão. A vila continua me enviando em missões ridículas como essa porque sou fraco. Provavelmente é isso, não é, seu bosta?

Não houve resposta — nunca mais haveria. Um sorriso desabrochou cheio de cinismo no rosto do menino. Porque mesmo sendo uma puta decepção, ele havia matado o progenitor. Sem querer, agindo com seus instintos de sobrevivência, mas havia matado. Se a mãe era viúva era culpa única e exclusiva dele. Se ele não tinha mais um pai o esperando em casa era também culpa dele. Ah, entendo, ele refletiu ao terminar de polir a lápide do homem maldito. Levantou-se e deu uma boa olhada nos arredores. Todos os nomes gravados em pedras, heróis de suas próprias vidas e batalhas. Sentiu envolto em fantasmas silenciosos e fechou os olhos.

Ali estava uma resposta que vinha querendo recolher há dias. A razão daquele incômodo tão grande ao ver uma letra D — e um alívio secreto igualmente colocado na balança. Ele não havia sido criado um único momento desde começar a ter memórias, aos quatro anos, de uma maneira saudável. Nasceu e foi criado para ser um soldado, não um faxineiro. E, no entanto, conhecendo a dor de perder e a dor de extinguir, ele não queria se tornar um fantasma como aqueles tantos ao seu redor.

—— Eu realmente te odeio, velho de merda.

Chegou ao túmulo de Kurotsuchi, um dos pontos de cuidados especiais, e trabalhou com os pensamentos pairando feito nuvens escuras. Podia realmente se chamar de ninja tendo medo de algo tão simplório? Do que exatamente tinha medo? De morrer ou de deixar a mãe sozinha? De se transformar num memorial ou de não existir na memória de mais ninguém? Estava com medo de se tornar um fantasma sussurrando aos ouvidos dos outros… ou de virar cinzas esquecíveis como o pai para a mãe? Qual era seu sonho mesmo?

Virou-se para o Monumento da Pedra. Havia ouvido falar daquilo na Academia Ninja, assim como todos os demais estudantes. Ali residia a Vontade da Pedra, fosse lá o que aquilo significava. Chegou mais perto para poli-la, usando os materiais especiais fornecidos e uma lembrança saltou na mente.

—— Seja forte como uma pedra —— sussurrou para si mesmo com a voz do pai falando as mesmas coisas em sua cabeça. Quando perguntaram os objetivos dos estudantes, o Caminho Ninja deles, várias respostas pularam como peixes-voadores. Proteger a família; orgulhar os pais; viver tranquilamente; foram algumas das respostas. Mas não dele. A dele foi mais energética, carregada de certezas que somente uma criança poderia ter.

—— Calem a boca seus merdinhas, o meu Caminho Ninja é me tornar o ninja mais forte que essa vila de merda já viu e vocês vão testemunhar isso engolindo minha poeira.

Que idiota, pensou sobre si mesmo ao terminar de polir a maldita pedra. Querendo ser o mais forte com uma vontade tão fraca que tem medo de fantasmas inventados, concluiu. Era realmente patético, não acha? Por isso continuava sendo tratado como uma criança; porque continuava sendo uma. Nenhum treinamento intensivo com um pai assustador lhe preparou para o momento mais importante da vida: sair da academia e começar a vida ninja.

Tinha terminado suas tarefas e com certeza receberia uma boa recompensa dentro dos limites da missão, mas não estava com pressa. Após guardar todos os materiais de limpeza, voltou à frente do túmulo do pai, colocando algumas flores do cemitério na frente da lápide. Ajoelhou-se e se curvou diante do túmulo como forma de se desculpar — algo que nunca havia feito antes. Levantou-se em seguida, os olhos intensos encararam um futuro invisível aos fantasmas.

—— Continue sendo comido pelos vermes, seu merda, eu vou me tornar o ninja mais forte dessa vila nem que para isso precise ir te encontrar mais cedo…

Quando ele foi embora do cemitério ainda tinha a sensação de ser observado por olhares familiares. Talvez fosse apenas seu eu passado sendo deixado para trás para um novo Batsuki surgir.

Considerações:

Bolsa de Armas (20/20):

Jutsus Usados:

Missões: