Kayabuki denominar a si mesma um território neutro era a maior falácia que sabia, mas talvez devesse ser grata por isso. Zsuzsanna sequer se recordava há quanto tempo já era uma desertora, e seus dias monótonos, marcados por promessas sem fim de um futuro melhor, apenas a tornavam uma mulher desinteressante. A ascensão dos criminosos no vilarejo apimentavam as dinâmicas públicas e encantavam os olhos de seus semelhantes, mas quando vislumbravam sua silhueta sempre mendigando ao invés de utilizar os seus talentos para alguns, conseguia sentir o desdém pesar em suas costas. Tibbers já estava impaciente, cansado de ser enganado por suas palavras vazias e justificativas. Se ela quisesse uma mudança significativa, haveria de fazê-lo o quanto antes. “Mas como?”, indagou-se, coçando os cabelos imundos com a destra.

Sequer precisou de muita reflexão, contudo. Naquela mesma noite, após ser traída pelo sujeito de favor em seus domínios, ela foi despejada de seus supostos territórios por uma gangue qualquer de meliantes. Na escuridão, não reparou a qual facção pertenciam, mas em menor número e despreparada para o confronto, optou por recuar pacificamente. Alguns sugeriram para os mandantes não deixá-la sair impune, dentre os quais seu outrora aliado, ouvindo de seus lábios cruéis a ênfase de seu gênero para os atacantes. “Ela é uma mulher...”, ouvia dizer, “Isso deveria ser motivo o bastante.”, não pareceu surtir efeito, para sua felicidade. No final, saiu impune e aliviada por não ter caído nas garras dos algozes responsáveis pela derrocada. Tibbers, entretanto, não aparentava estar tão amistoso quanto poderia. O urso resmungava a todo instante, e ocasionalmente zombava de sua covardia. Não podia censurá-lo pela decepção, afinal, julgava as afirmações válidas o bastante.

No final, Zsuzsanna suspirou, vagando sem rumo pelas ruas do vilarejo orgulhoso. Os olhos inquisidores pareciam atravessá-la com mais avidez quando passava pelos transeuntes com seus trapos esfarrapados, tão desgastados que não serviam nem para ocultar o corpo e protegê-lo do inverno. Deprimida, e com frio,  tentou partilhar de uma fogueira ao lado de outro morador de rua, mas este, arrogante e atrevido, cobrou dela algum pagamento sórdido em troca da cortesia. Preferiu franzir o cenho e torcer a boca, volvendo para longe. Tão longe quanto poderia ir. “Se eu sair dessas muralhas estou morta, e se eu continuar nelas, também estarei”, um arrepio transpassou sua espinha, mas não era como se ela estivesse com medo disso. A morte parecia mais misericórdia se comparada com as suas vivências monótonas e distorcidas.

Mas nem sempre a luz no fim do túnel há de ser um trem, ou pelo menos, a julgar pelo fato de nunca ter visto um com seus próprios olhos, não era difícil de acreditar nisso. Mantendo os punhos cerrados, e um olhar obstinado, a desertora da nuvem simplesmente decidiu aceitar de uma vez quem ela era. Farta de mendigar sempre que sentia fome. Ou aturar os olhares de desprezo do público. Até mesmo as roupas em seu corpo não prestavam. Ela estava decidida, pela primeira vez em sua vida, a cumprir com seu destino e alcançar uma posição privilegiada ao lado dos maiores. Uma vida de modéstia e pacifismo apenas envenenava a alma e destruía uma miríade de possibilidades dispostas em sua frente. Zsuzsanna Zaharina Zenith iria recordar o mundo que ela é insubmissa, não curvada e não quebrada.


Tibbers
HP: 350/350
CH: 350/350