Com dores de cabeça terríveis, Ethan despertou em meio àquela sala branca, que se assemelhava a um jardim. Estava confuso, desnorteado, e o zumbido nos ouvidos e a desorientação espacial não o ajudavam em nada. Olhou em volta, tomado por um mix de curiosidade e inquietação, mas, não importava para onde olhava, não via nada além do mesmo céu pálido que se estendia até o horizonte, onde os olhos do Hattori não alcançavam. Da mesma forma que a estranheza visual se perpetuava pelo ambiente, deixando-o sem reação, o clima estava igualmente destoante do que considerava normal. Em um primeiro momento, segundo depois de acordar, sentiu um arrepio na pele assim que uma ventania severa começara, um prelúdio claro de que algo maior estava por vir. Foi então que, sem mais nem menos, os ventos trouxeram uma nevasca consigo, retirando toda e qualquer possibilidade de Ethan enxergar algo.


Quando ele precisou cobrir o rosto para se proteger dos ventos gélidos e da neve que se precipitava aos montes pelo céu monocromático, deu um passo para trás, percebendo o que estava abaixo dos pés. Não só ali, os lírios da aranha vermelha estavam por todo o chão. As flores, que, por sua vez, floresciam sobre a proteção de um solo negro, pútrido, ameaçaram alçar voo por causa da ventania, mas os ramos das suas raízes, entrelaçando-se umas nas outras, em um sistema que desafiava qualquer lógica existente, impediram que algo as tirasse do solo amaldiçoado. Ao invés disso, todas moveram-se em um giro performático, gracioso como os giros e saltos de uma bailarina, e, então, todo o vermelho sucumbiu diante de um branco lívido. O cheiro de queimado e de sangue não seriam mais presentes, agora, um odor pungente de carne podre se espalhou por todos os cantos com a ajuda dos ventos frios.

Embora o vazio e o silêncio indicassem que Ethan estava só, após a primeira onda gelada cobrir o infinito contido no branco do horizonte, uma silhueta projetou-se no topo de uma inclinação que se assemelha à base de uma montanha. Ainda naquele momento, o ser desconhecido estava inerte, observando a morte se proliferar naqueles campos gélidos. A silhueta ainda não tinha exibido as suas feições diante do intruso, tampouco deixava que as suas curvas acentuadas fossem expostas em meio à neblina. Não imaginava que precisava, já que de qualquer forma o garoto não resistiria à influência dos seus encantos. Não imaginou que a ausência total e absoluta de calor fosse como uma mãe para alguém com tons tão quentes tingindo a pele.

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A figura misteriosa, ao ver que o garoto com tons quentes continuava de pé, inclinou a cabeça para o lado e o encarou. Seu interesse crescia de tal forma que, como nunca acontecera antes, ela deu o primeiro passo em direção a ele, e não o contrário. Assim, primeiro a sua silhueta delicada foi revelada, e curvas capazes de fazer com que qualquer um se perdesse nelas foram expostas. Dando o próximo passo, seus pés descalços tocaram o solo com delicadeza e marcaram-no com um rastro de gelo que se alastrou por vários metros. Não só isso, da mesma forma que a nevasca teve início, abruptamente, ela cessou, desobstruindo a visão daqueles no raio da técnica e revelando o rosto angelical da jovem.

Aquele demônio assumiu a forma de uma mulher pálida estonteante, cuja aparência se assemelhava a uma Yuki-onna, uma figura do folclore que utilizava o canto para seduzir os homens, fazendo com que eles se perdessem em meio as nevascas e morressem congelados. Ela usava um kimono branco longo, que possuía um colar ornamentado, bordas e um desing de ombro com mangas longas e largas. Além disso, tinha fitas longas e fluidas amarradas em suas costas, formando incontáveis laços. No centro do seu peito, uma flor de gelo transparente se formava, a cada passo que dava, quanto mais deixava um rastro pelo chão, mais a flor tomava forma. Olhando tudo e todos de cima, imponente, da mesma forma que um rei fazia diante dos súditos, uma meia coroa de gelo também ganhava forma na parte de trás sua cabeça. Por fim, quando todos os adornos cristalizaram sobre as vestes, a dama de gelo agitou a cabeça com graça, movendo os cabelos tão brancos quanto a neve, e focou o Hattori com os orbes brancos inexpressivos.

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A apenas um passo de distância, mas ao mesmo tempo separados pelo infinito, Ethan e a bruxa da neve se encaravam. Ela mantinha a mesma apática em cada um dos trejeitos, enquanto olhava o garoto de cima. Era um pouco maior que o Hattori, então precisava inclinar a cabeça levemente para baixo para contemplar toda a complexidade daquela expressão atônita. Os olhos de Ethan, diferente do habitual, denotavam toda a expressividade exigida pela situação extraordinária, arregalados e vidrados na figura da mulher. Sua respiração, por sua vez, demonstrava todo seu medo e nervosismo. Durante a aproximação dela, até que tentou manter a calma, com uma postura rígida e relevando o fascínio nos olhos. Em um determinado momento, entretanto, completamente entregue aos encantos da outra, perguntava-se como algo poderia ser tão belo, mas não se atreveu a tentar encontrar uma resposta, já que palavras não eram o suficiente para encontrar formas de justificar tamanha beleza. Aquilo não fazia o menor sentido para alguém como ele, que estava acostumado a enxergar o pior lado de tudo e todos, que estava acostumado a encarar a feiura do mundo. No entanto, o Hattori não foi capaz de se manter daquela forma por muito tempo, tentando transparecer uma calma inexistente, pois à medida que a bruxa se aproximava, trazia consigo o frio e a verdade que Ethan insistia em esconder. Sendo assim, não demorou até ele sentir uma dor aguda nos pulmões, e da mesma forma a pele queimava e as pontas dos dedos ficavam escuras.

No momento em que Ethan finalmente se entregou aos efeitos do frio, a jovem tirou os olhos dele por um momento e começou a andar à sua volta. Não era como se tivesse perdido o interesse no garoto, tampouco significava que acabara com o que quer que estivesse fazendo. Na verdade, o jogo diabólico que a figura angelical tramava havia apenas começado. Ela continuou vendo-o agonizando pelos efeitos do frio por alguns minutos, cercando-o como um lobo fazia com sua presa, esperando o momento oportuno para agir. Foi então que a mulher não conseguiu mais se conter, entregando-se por completo aos seus desejos mais íntimos. Dessa maneira, atreveu-se a tocar o ombro do garoto. A mão, como em uma dança performática, deslizou pelo ar despretensiosamente até momentaneamente ser preenchida pelo calor aconchegante do outro. Isso, por sua vez, foi o suficiente para que a garota deixasse qualquer dúvida de lado, resolvendo se entregar sem pudor àquela sensação que a fazia se sentir viva. Portanto, enquanto Ethan gritava de dor, sentindo a pele queimar e ao mesmo tempo congelar, ela o abraçou por trás, envolvendo todo o seu corpo. Então seu rosto repousou sutilmente sobre o ombro do Hattori. Após isso, seus lábios azuis se aproximaram do seu ouvido, deixando algumas palavras escaparem junto do vapor gélido.

— Meu nome é... Sode no Shirayuki, meu lorde — sussurrou. Por um breve momento, os papeis se inverteram. Ethan não foi mais atormentado pelas dores e pelo frio, naquela fração de segundo, ao ouvir a voz da mulher, ele tornou-se uma manifestação dos poderes da outra. Sua pele assumiu um pálido característico, seus olhos se tornaram brancos e quanto aos seu cabelo, esse se assemelhava ao orvalho. Já a garota havia ganhado cores, o cabeço foi tingido de preto, os olhos amarelos brilhavam graças ao Rikugan e o kimono preto era tão leve quanto seda. Entretanto, bastou 1 segundo para tudo voltar a ser como era antes; ela com a apatia e Ethan com as dores e o frio. Mas nem isso se manteria por muito tempo, já que a pele da mulher da neve começou a rachar, como um vaso prestes quebrar. Por fim, uma bruma forte abateu-se sobre ela e a mesma simplesmente desapareceu em meio ao nevoeiro. Em seguida, as flores no solo voltaram a ficar vermelhas e o azul tomou conta dos céus.

[...]

Enquanto o pesadelo vivido acontecia, Ethan se contorcia na cama, descontrolado. Girou de um lado para o outro, jogou as cobertas e o travesseiro no chão, mas ainda assim não conseguiu despertar. E por algum motivo, inconscientemente tentava abaixar a temperatura ao redor com os seus poderes, porém, o que aconteceu foi o completo oposto. Ao invés disso, sem qualquer ciência das suas ações, reduzia a própria temperatura até o extremo. No início sofrera mudanças sutis, a camada de gelo cobria apenas os pés e as mãos. No entanto, conforme o pesadelo se intensificava, ele liberava mais chakra e, consequentemente, mais o seu corpo era tomado pelo frio. Sendo assim, mesmo que por apenas um segundo, ele havia se tornado tão frio quanto os homens dignos de serem chamados de Deuses.

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