2
Allannia Grey

HP:2725/2725
CH:7300/7300
ST:00/07
CN:000/400
Células:2250/2250
Os olhos azuis da Grey exibiam o seu divertimento ao ver a criança desajeitada se aproximar de seus aposentos, ocupando uma das cadeiras, envergonhado. Mas a sensação que rasgava o seu peito quase removeu a sua postura dominante, mordiscando suavemente o lábio inferior, como sempre fazia quando estava nervosa. Doces sempre proporcionavam memórias indesejadas. Percebeu que em nenhum momento o Senju a teria julgado ou criticado, seja por suas roupas ou aspecto desumano; era de conhecimento geral as histórias acerca das orelhas pontiagudas da Grey. Agradeceu-lhe mentalmente por isso, satisfeita com a postura apresentada por ele. “Ou quem sabe ele seja dos meus, e saiba disfarçar bem o desprezo pelos outros”, pensou consigo mesma, projetando no rapaz, como de costume, as suas expectativas venenosas. Felizmente, ou infelizmente, não teria oportunidade de cultivar esse para os seus propósitos.
— Não precisa me chamar por senhora, pequeno. Prefiro que se refiram a mim por Allannia-san. — sorriu-lhe, inclinando a cabeça para a direita, ligeiramente. — Fico feliz em conhecê-lo, Hiroki-kun. Gosto de ver a nova geração diante dos meus olhos, hoje é um dia importante para vocês, o futuro da vila. — ela levou o odre aos lábios rosados, após recitar calmamente, visivelmente relaxada pelo álcool.
— Ele está com medo, consigo farejar daqui. — Rauros decretou, observando atentamente a postura do Genin, mostrando os dentes. — Por que chamou uma criança? Se ele começar a chorar ou se melar, eu não ajudarei a limpar as lágrimas ou a bosta dele.
— Rauros, se veio aqui para ofender meus convidados, peço que se retire. — Allannia suspirou, encostando-se em seu assento. — Perdoe ela por isso, algumas vezes ela age como um animal, mas geralmente possui alguns neurônios a mais.
Antes que elas pudessem iniciar mais uma discussão, o barulho da porta se abrindo anunciou a chegada de Isao Ito, acompanhado de Hidetaka Mikan e Rei Kamizuru. Até aquele momento, Sarah Ito e Raymond Hatake estavam atrasados, mas não se preocupou, pois ela sabia que eventualmente iriam comparecer. Os homens se entreolharam ao ver a Tsuchikage, mas nada disseram. Limitaram-se a fazer breves reverências, acomodando-se em seus respectivos assentos. Isao fora o primeiro erguer a taça da mesma, saciando de maneira voraz a sua sede. Allannia fora incapaz de conter o risinho, mas disfarçou pondo o polegar esquerdo nos lábios.
Pouco tempo depois, menos de cinco minutos, Sarah Ito chegou apressadamente nos seus aposentos, vestida de maneira sofisticada e elegante, justificando o seu atraso. Ela exibia um longo vestido vermelho, composto inteiramente por seda, como se estivesse preparada para uma festa de gala. Considerando os padrões da Grey, e a importância da ocasião, ela franziu o cenho ao vê-la mais informal do que o costume. Normalmente, as posições eram invertidas, e loura adotava trajes mais impróprios para as ocasiões do que a prateada, comumente elegante. Um sorriso projetou de seus lábios, e ela então rompeu o silêncio dizendo-lhe:
— Parece que hoje é um dia de mudanças. A qualquer momento pode começar um temporal, e dos grandes. — ela zombou da situação, sentando-se ao lado de Hiroki-kun. Acenou brevemente para Rauros, e ela correspondeu anuindo com a cabeça, nutrindo afinidade pela Kunoichi. — O que o rapaz faz aqui? — Sarah questionou, ajustando o vestido para não parecer inadequada.
— Muitas coisas hão de mudar, mas infelizmente, não no clima. Os termômetros marcavam trinta e seis graus quando vi pela última vez. — bebericou de seu vinho, devolvendo o olhar para a amiga. — Hiroki-kun veio prestigiar a cerimônia que anunciarei. Peço que você pegue os pergaminhos, por favor. Todos aqui, sem exceções, vieram a trabalho. — após o breve momento de descontração, ela inferiu em tom imperativo, demonstrando a seriedade da ocasião.
Enquanto Sarah se levantava para buscar documentos em branco para a ocasião, o som da porta se abrindo mais uma vez decretou a chegada do último e mais importante dos convidados: Raymond Hatake. Ele surgiu vestido com o mesmo quimono avermelhado adotado na nomeação deste como Assistente, uma ironia do destino que fora incapaz de ignorar. Correspondeu ao seu sorriso de empolgação e ao aceno, dando-se o trabalho de erguer o corpo de sua posição e caminhar na direção do mais novo. O shinobi, após envelhecer sete preciosos anos na lua, havia se tornado um homem feito. Se não fosse o salto alto, ela estaria absurdamente mais baixa do que ele, e precisaria erguer a cabeça completamente para olhar em seus olhos. Abraçou-lhe, como típico da confiança que nutria pelo mesmo, tendo cuidado para não machucar o filhote de cachorro que ele carregava consigo. Allannia acariciou a pelugem do pequeno animal, mesmo que preferisse felinos, erguendo o olhar em sua direção, contendo a comoção. Ela ficou na ponta dos pés, e dirigiu a sentença seguinte ao mesmo em seus ouvidos:
— Lamento ter fugido, deixando você e os outros sozinhos. Fico feliz que tenham voltado em segurança. Falhei com vocês. Não fui a Kage que merecem. — ela lastimou, simulando pesar e culpa em sua voz, mas no fundo, não se arrependia nem um pouco do que havia feito. Mas ela queria se sentir menos culpada, e fazê-lo pensar bem dela, principalmente pelos tempos que virão. Afinal, ela apenas conseguia enxergar os próprios interesses, até naquela ocasião. — Está elegante, e bonito. Esse quimono combina com você, e com as nossas cores. Se acomode, estamos prestes a começar. — decretou, e então, virou-se, retornando para a sua posição original.
— Que momento lindo, Tsuchikage com o Assistente, uma bela história de amor. Veio anunciar a data do casamento? — Isao Ito troçou, fazendo soar uma longa gargalhada antes de ser censurado por uma olhar de Sarah.
— Poupe-nos de suas piadas, tio. — Sarah organizou os papéis na mesa, se acomodando em seu assento. — Dê-se o respeito pelo menos uma vez, ou não será convidado no futuro.
— Eu detesto concordar com ele, mas não acho apropriado esse tipo de tratamento, principalmente ao considerar as... circunstâncias. — ele olhou mais uma vez para a Grey, fazendo uma expressão desgostosa. Era nítido ao que ele se referia.
— Considerando a forma como a que a cerimônia teve seus preparativos, devo concordar com os demais. Não me parece algo formal o suficiente, principalmente ao considerar como ambos as figuras mais relevantes de Iwagakure estão se vestindo. O Daimyō-sama não gostaria nada disso. — Rei Kamizuru, um homem conservador, posicionou-se favorável aos demais, e com o alvoroço que estava prestes a ser provocado, Allannia teve de agir para interrompê-los.
— Basta! Não admitirem que zombem de nenhum de nós. Caso prossigam, considerem-se ninjas desonrados, e me certificarei que passem um bom tempo detrás das grades. — Allannia umedeceu os lábios, soando firme e decidida em suas afirmações.
— Você... como ousa. Quem você pensa que é?! — Isao se levantou de seu assento, ameaçando puxar as armas. Allannia o teria feito pagar por isso, mas Rauros, sua mascote, fez-lhe esse favor.
— Ela é a Sandaime Tsuchikage, e eu, seu pior pesadelo. Mova mais um músculo e eu arranco a sua mão e faço suas tripas escorrerem pra fora dessa sua barriga pançuda cheia de merda. — Rauros exibiu as garras, e se pôs de duas patas, exibindo a sua altura assustadora. Ela possuía quase três metros, e quase alcançava o teto naquele salão modesto.
Isao Ito compreendeu a gravidade da situação, e se pôs em seu devido lugar, enquanto os demais permaneciam em silêncio. Quando a ordem enfim fora instaurada definitivamente em seus aposentos, fora a vez da Grey se pôr de pé mais uma vez, mantendo-se próxima do trono. Observou os convidados de cima, enquanto começava o seu discurso.
— Desde o Outono de 17DG estou governando como a Sandaime Tsuchikage de Iwagakure no Sato, e vem sendo uma honra desde então servir como a porta-voz de um povo tão batalhador, forte e corajoso. Aprendi bastante no comando da Pedra, e pude me sentir, mesmo que por um tempo, parte de todos vocês. Defendi a vila durante a invasão dos Zetsu Branco, representei nossas vontades no País do Vento quando a Hydra ameaçou o nosso mundo e dediquei-me de corpo e alma em assegurar a soberania dos nossos. Tive que superar muitos desafios, e evoluir. Tornei-me mulher, e pude ser forte o bastante para conseguir suportar todo o peso das montanhas em minhas costas. Mas sempre faltou algo em mim, e isso me incomoda desde que eu sentei nessa cadeira pela primeira vez. E é por esse mesmo motivo pelo qual essa seja uma das únicas vezes que usei esse chapéu em minha cabeça. — Allannia fez uma breve pausa para retirar o artigo cerimonial de Tsuchikage, repassado por gerações entre todos os governantes. Em seu Centro, havia demarcado o Símbolo da Terra em um tom amarronzado. Todo composto por alabastro, exceto pelos detalhes coloridos no tom supracitado em sua parte superior, ele acompanhava um traje de mesma coloração, nunca adotado pela Tsuchikage, reafirmando ainda mais a soberania deste. Era um uniforme elegante, imponente e digno de uma Lenda dentro de sua aldeia. Algo que Allannia nunca foi, e nem quis ser. — Nunca me senti confortável, seja usando esse chapéu, ou exercendo minhas atividades. Eu não fui preparada o bastante para me tornar a líder que esperavam que eu fosse, e tampouco tenho a toda poderosa Vontade da Pedra que me tornaria digna de ser tão forte quanto a cadeia montanhosa que circunda nosso lar. Eu sou como o fogo, e o fogo, por mais forte que ele possa arder, ele não firma raízes e permanece em um mesmo lugar. O fogo consome, segue seu próprio rastro e não se importa com o que esteja em seu caminho. As chamas não são um lugar para se firmar uma fortaleza, nem depositar seus sonhos ou esperanças. Por mais que eu me esforce e tente me tornar mais como vocês, mais eu me afundo em minha própria hipocrisia, dor e frustrações. Cada vez que preciso sentar nesse assento e fazer valer meus votos, mais deixo de ser quem eu verdadeiramente sou, e me torno alguém que sequer consigo reconhecer no espelho. Estou jovem, solteira e me sinto sozinha o bastante para sentir que nada disso vale a pena. Há muito tempo eu tento viver pelos outros, e esqueço que preciso viver por mim. Eu quero ser livre, e justamente por desejar isso do fundo do meu coração, não posso continuar mentindo para mim mesma. Foram quase dois anos, e eu pude sobreviver para contar essa história. Todos os meus antecessores tiveram finais trágicos, e muitos deles abandonaram suas posições em desgraça. Não quero ser a próxima. Tampouco eu permitirei que estejam desamparados quando eu deixar meu cargo de lado. Há alguém nessa sala que possui todas as características de um verdadeiro governante. Ele é forte, corajoso, dedicado, famoso, determinado e capaz. Não se deixa abalar, desistir ou abandona os companheiros. Todas as vezes que me perco em seus olhos, eu me lembro da Vontade da Pedra que o Nidaime tanto dizia. — Allannia sorriu, e então caminhou, olhando para cada um dos presentes. Em suas mãos havia o chapéu, enquanto o odre de vinho permanecia no braço de seu trono.
Os figurões presentes todos sorriram, acreditando ser o momento de cada um deles. Imersos em seu orgulho e arrogância, foram todos surpreendidos quando ela passou por cada um deles, e depositou o chapéu diretamente nos fios prateados de Raymond Hatake. Seus lábios rosados projetaram um sorriso sincero, e os olhos azuis se fecharam espontaneamente, demonstrando a sua satisfação em se livrar desse fardo. Sentiu-se maravilhada, o coração batia aceleradamente e os pelos de seu corpo estavam eriçados. Ela se sentia completa, pois havia feito a coisa correta.
— Raymond-kun, eu quero que você seja o Yondaime Tsuchikage. Não há shinobi melhor que você em nosso vilarejo, mesmo que existam tantos outros talentosos. Eu poderia facilmente preparar Batsuki-kun, ou acompanhar a trajetória de ninjas como Yagura-kun ou Hiroki-kun, mas você é o mais ideal. Todos eles precisam de alguém com a sua força, coragem e determinação. Eles precisam de alguém para segurá-los quando estiverem prestes a cair. Esse alguém não pode ser eu, mas eu tenho certeza de que pode ser você. Eu acredito em seu potencial. Promete não me decepcionar? Fará valer toda a confiança que estou colocando em seu coração? — Allannia encostou a mão no coração do Assistente, recitando num tom doce cada uma das frases, como se estivesse declamando um poema. A ternura em seu fraseado, e a forma como os olhares eram direcionados para a silhueta do rapaz, mesclavam um misto de sentimentos com múltiplos significados. — Jura cuidar de todas as pessoas que estão no topo desse chapéu? O peso dele é maior do que qualquer montanha nesse País, e não há mais volta quando escolher se agarrar a ele. Sente que é capaz, irmãozinho? Eu, Hiroki-kun, Yagura-kun e Batsuki-kun e a “minna-san” precisamos de você. — ela permaneceu de frente pra ele, aguardando sua resposta.
Os convidados permaneceram incrédulos, todos, sem exceção, embora não soubesse o que o Hiroki-kun diria da circunstância. Isao Ito cochichou furioso no ouvido de Hidetaka enquanto Rei Kamizuru degustava de seu vinho. Devido sua natureza distinta, ele naturalmente não diria muito a dizer da circunstância, pois o seu papel era exclusivamente o de servir. O futuro de Iwagakure estava prestes a ser decidido, e o pôr do sol chegava imediatamente, cobrindo o vilarejo com o anoitecer. A iluminação artificial impedia que fossem engolidos pela escuridão, mas não minimizava a atmosfera densa que cobria o recinto. Era uma escolha difícil a ser feita pelo jovem Hatake, e toda uma nação dependia de sua voz.
Rauros, a Leoa
HP: 1000/1000
CH: 1000/1000
ST: 00/05
Emme