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A lua era uma visita esotérica e, no meu cotidiano, efêmera. Eram poucas as vezes em que eu podia parar para admirá-la, principalmente naquele distrito comercial caótico. Pra minha infelicidade, a única janela redonda do meu quarto ficava do lado oposto ao seu trajeto, impossibilitando que eu a vigiasse. Mas está linda hoje, penso. Era um raro dia em que a mercearia havia ficado por minha conta, dada uma visita inoportuna de minha mãe à minha tia dos arredores. Meu avô devia estar bebendo em algum beco insalubre, então o que me restava era isso: um comércio silencioso e empoeirado, aonde posso apreciar o cair da noite em minha solitude.

Quase não percebo o rapaz que se aproxima, até ouvir seu chamado. Acorda! Me levanto desajeitado do balcão, tropeçando nos meus próprios pés e derrubando alguma bandeja metálica que cai fazendo um barulhão constrangedor. É quando finalmente encaro o visitante... sendo então arrebatado por seu visual. Definitivamente não é daqui. Nunca havia o visto. Sua presença era quase etérea — as roupas tradicionais, os longos cabelos brancos (que inevitavelmente me faziam lembrar de Kira, mas tento ignorar), o chifre e a marca de lua... Hakari-sensei tem um irmão e não me contou? Ou seria um filho? Parecia ser mais velho que eu, mais alto, mas sua expressão era solene e sem tom de voz gentil. Que bonito...

Percebo que estou encarando, e tão logo começo a corar. Para de olhar pra ele assim! Quer assustá-lo? Balanço a cabeça com as bochechas ardendo.

— P-perdão. T-temos, temos... hã... bolinhos de arroz, alguns quitutes de feijão... — aponto para a prateleira em frente com os últimos produtos do estoque. Não havia sido um dia tão movimentado, então havia um pouquinho de tudo. — O s-senhor gostaria de levar para viagem? Ou c-comer... a-aqui... — gaguejo, evitando olhá-lo nos olhos.

A perspectiva de tê-lo ali por mais um tempo indicaria um possível silêncio constrangedor, mas também fazia minha nuca se eriçar com uma curiosidade instintiva de conhecê-lo melhor.

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Sum, repito o nome mentalmente. Tinha uma sonoridade estrangeira e misteriosa, o que me fascina. Então é mesmo do clã do meu mestre. Se havia se formado recentemente, isso explicava o porquê de não nos conhecermos. Eu teria me lembrado dele...

— C-com você? — A sugestão me pega de surpresa, mas como o visitante já está se sentando numa das mesas vazias, percebo que não tenho muitas opções a não ser obedecer timidamente.

Sigo o Ōtsutsuki com dois pratos de bolinhos de arroz, além de uma chaleira com chá de hibisco recém-passado — seria por conta da casa. Enquanto sirvo em nossos copos de cerâmica, observo-o delinear os longos cabelos alvos, o que me faz corar ainda mais. É como a neve. Quando me sento em sua frente, toda aquela situação me deixa ainda mais nervoso... estão tão próximo de alguém com uma aparência tão elegante. Respire fundo, me ordeno a acalmar meus sentimentos.

— Eu t-também sou um ninja, se... Sum — corrijo. — Sou Naritoshi Hōzuki, prazer em conhecê-lo. Bem... você já é o segundo que conheço fora da nossa profissão — digo e sorrio, meio sem jeito, dando uma mordida delicada no bolinho. Céus, espero que ele ache gostoso. — A-ah, meus d-dentes? — Tampo minha boca instintivamente, antes de dar um risinho. — Isso é uma característica do meu clã, somos conhecidos por isso e por... virar água, de vez em quando.

Quando percebo, estou encarando o visitante de novo. Desvio o olhar.

— V-você também... é uma visão muito curiosa. O meu mestre, sabe, do meu time... também é um Ōtsutsuki. Ele tem um chifre como o seu... e uma marca no pescoço. — Fico em silêncio por alguns instantes, me demorando se devo ou não retrucar com perguntas também. — Eu... nunca te vi por aqui. P-perdão por perguntar, mas... o que te traz à essa singela mercearia?

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O elogio ao chá vinha com uma gentileza notável, e só compunha a imagem elegante e tradicional que aquele rapaz exalava. Isso é quebrado, entretanto, quando ele se prontifica de pé para saber mais sobre meu clã. P-perto... Seu rosto fica tão próximo que consigo sentir sua respiração fazendo cócegas em meu rosto. Inclino para trás na cadeira; o rosto vermelho como um morango. Quando Sum se retrai, arrumando as vestes e tentando se recompor... não posso deixar de soltar uma risadinha. Que figura intrigante e peculiar... Só posso ficar feliz por ter a mercearia só para mim hoje. Ouço suas desculpas e seu interesse no mestre Hakari atentamente.

— Eu... p-posso mostrar pra você — eu digo, tímido — o Jutsu do meu clã, quero dizer. — Não era comum as pessoas terem interesse nos Hōzuki, um clã esquecido e até mal falado como o nosso. Mas o que custava compartilhar um pouco com alguém que realmente queria saber? Sum parecia ficar genuinamente interessado, e subitamente sou tomado por uma vontade de alegrá-lo. — Bem, nós somos descendentes de... piratas, sabe? Pelo menos, é o que as lendas dizem... Parte da família abandonou os mares para se alocar em Kiri, mas essa má fama nos persegue ainda assim. O resto dos Hōzuki não gosta muito de quem ficou por aqui, dizem, essa ideia de abrir mão da "liberdade" pra virar um... "cão do governo". Bem, eu mesmo nunca conheci outro Hōzuki além da minha família — comento enquanto me ponho de pé, para minha própria surpresa. — Minha mãe é da linhagem feminina da família, só que ela abriu do caminho shinobi para... bem, cuidar disso — aceno para a mercearia em que estamos. — Meu pai não era de nenhum clã ninja, entretanto. E ainda assim... eu herdei algumas coisas, por exemplo...

Canalizo o Chakra ao redor do meu corpo, lembrando-me automaticamente da primeira vez que usei aquela técnica — no mar, sentindo-me liquefazer e me tornar um com o oceano. Ali, sinto a engraçada e desnorteante sensação dos meus músculos tomarem um aspecto gelatinoso. Só então que um pensamento me percorre. Por favor... que ele não ache isso nojento... De alguma forma, sinto que aquilo me constrangeria infinitamente. Mas não há mais como voltar atrás.

— Bem... aqui está — falo e estendo minha mão para frente, fazendo-a a se esticar e se transformar em um chicote aquático que mais parece um tentáculo. Dou um giro, fazendo minha forma corpórea tremular e se transformar em uma massa de água meio disforme, até devolver minha estrutura e se solidificar, encerrando a técnica. — Hã... tcharãm...

Apesar do constrangimento, me sento de volta à mesa e ouço seus comentários finais sobre a própria família. Faz sentido, então, que eu nunca o tenha visto. Um temor havia me tomado sobre a possibilidade de ter enchido-lhe o saco falando do meu clã, então ouvir seu lado também me agrada e me acalma. Aproveito e, além do chá, me sirvo com um pouco de água para saciar meu vício; a faca de dois gumes daquela habilidade, mas aquilo não valia a pena a explicação. Havia medo em parecer frágil na frente aquele altivo rapaz. Logo no final da rua... Aquela proximidade me faz sentir um nervosismo desconhecido no peito, mas afasto aquela sensação. Mais um elogio ao chá que eu havia passado, entretanto, é o suficiente para que eu core de novo.

— V-você é gentil, eu passei tão às pressas, nem adocei corretamente... — encaro minhas mãos, evitando olhá-lo, mas com um inevitável sorriso de canto pelo elogio. Ouso olhar para Sum novamente, os fios brancos como a neve me levam para uma memória triste; o deserto de Suna, a imagem de Kira... Um sentimento agridoce me acomete. — Ah, eu gostei de te ver... — As palavras me escapam, e eu corro para tampar a boca. O que sai depois é um gaguejo destrambelhado: — Q-quero d-dizer, um c-cliente, é s-sempre bom, s-sempre bom receber c-clientes... — Balanço a cabeça. Que papelão. — P-perdão. Farei um chá melhor na sua próxima vinda.

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Belo...? Aquele comentário me deixava desarmado. Felizmente, Sum não parecia repelido pela minha kekkei genkai, mas aquele total oposto também me pega de surpresa. Assisto sua reverência, sem graça, e o jeito com qual o Ōtsutsuki chamava meu nome completo era peculiar e engraçado. Só posso sorrir. Incrivelmente belo, saboreio aqueles adjetivos com se tivessem um sabor desconhecido.

— Eu t-também espero te ver... muitas outras vezes, Sum — murmuro timidamente. Apenas naquele claro encerramento da nossa noite juntos que me dou conta de como fiquei envolvido. Percebo que já anseio para revê-lo. — Quanto ao valor, não se preocupe... Hoje foi por c-conta da casa. Também agradeço pela ótima noite — sorrio. Minha mãe não era famosa por cortesias como aquela, mas, felizmente, ela não precisava saber.

Assisto o peculiar rapaz partir da mercearia com um aceno. Agradeço de volta, e suas últimas palavras são o suficiente para me deixar ainda mais vermelho — era possível? Uma beleza... como a minha. Escondo meu rosto nas mãos e dou um gemido abafado. Ele estava falando da minha habilidade, me convenço. Me pego, então, assistindo-o partir rua adentro até desaparecer na noite. Com o coração acelerado, me volto para fechar a mercearia ainda recapitulando aquele encontro.