[cena/solo/quest] penas pretas

Os passos lentos e em conluio com a curiosidade sobre as coisas da natureza não me aproximavam apenas da Nuvem nesse dia. Os detalhes do destino já se mostravam engenhosos e atentos mesmo com a vida pouco vivida que não acreditava nessas coisas. A bem da verdade, eu nutria certo preconceito e repulsa a quem se dispusesse a tentar dissertar acerca do roteiro vivido e a viver de cada um, previa e especificamente elaborado pelo universo, vida ou deuses; mal sabia eu o tamanho da minha ingenuidade e engano.

– Talvez você esteja vacilando em não ir mostrar ao velho a evolução do seu Sharingan – a voz quase rouca e calma do lobo quebrou o silêncio.

– Ele já sabia que eu ia tentar entender tudo e evoluir sozinho – respondi, interrompendo os passos e agachando na beira da estrada para pegar algo no chão.

– Mas, você está certo pelos motivos errados. Não seria tão ruim procurá-lo agora, tenho algumas coisas a esclarecer. Vamos.

Voltávamos de uma missão e nossa direção mirava Kumo. Para alcançar o Lugar, onde Watari certamente estaria disponível para esclarecer o que fosse para qualquer um de seus protegidos, deveríamos trocar de rumo e contornar o sentido atual.

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11/3/2020, 17:18

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Firmei o pincel nos dedos e estava prestes a matar a saudade de dar formas aos desenhos e livrar alguns ratos do papel, mas o tom assustado de Rá também me levou ao susto e a mão travou.

– E-ei! Tem algo de errado no Lugar, vamos! – gritou e saiu na frente.

– Ei Rá, que merda tá acontecendo? – perguntei sem me importar com a ciência passiva de que cheiro não é onisciência, os passos logo atrás do lobo.

– Eu não sei! Mas com esse cheiro de explosão, sangue e suor é certo que estão batalhando.

Quinhentos metros ainda nos separavam do Lugar quando um vulto deixou a copa larga de uma árvore e se colocou como obstáculo no caminho. Cessamos o impulso que pegaríamos no galho para um novo salto, os dentes de Rá convidativos ao embate com a silhueta.

– Não é para continuarem, ordens do Watari. – Decretou a voz mais infantil que a minha, protegida por um corpo pequeno que por sua vez cobria-se com uma capa negra.

– Porra, sai fora Ako! – Gritei depois de reconhecer o garoto, os resquícios de controle sobre a paciência se esvaindo.

Retomei o movimento dos músculos e revivi os saltos, novamente interrompidos por Ako. Quando eu não estava era ele o responsável por manter a função de sensor do Lugar em atividade.

– Qual parte de “ordens do Watari” você não entendeu?! – dessa vez senti um vacilo em sua voz.

– Ou você me impede – a cor dos meus olhos brilhou e a escuridão cedeu ao rubor, destacando-os em meio a falta de luz – ou sai da minha frente.

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11/3/2020, 19:56

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Foi inevitável me sentir mal com a obediência forçada de um dos meus companheiros de casa, principalmente por eu estar errado. Entre nós acolhidos pelo Lugar, era essencial o cumprimento do seu papel dentro do sistema que mantinha o “orfanato” vivo e funcional da maneira que era, obedecer às ordens de Watari era o papel de todos.

– Obrigado! – agradeci quando passei veloz ao seu lado.

Pouco antes de alcançar as redondezas da mansão os corpos já enfeitavam o chão e o cheiro metálico do sangue impregnava as narinas. Em situações como essa Rá mantinha-se sempre o mais próximo que conseguisse de mim, entregava o uso do seu olfato completamente em minhas mãos.

– Ainda sinto o cheiro do Watari, por aqui.

O velho estava no fundo dos jardins, ofegante e com um fio de sangue escorrendo do supercílio até o queixo. À sua frente três ninjas, todos com os corpos mais danificados que o dele, mas julguei serem completamente capazes de continuar atacando. Em situações de guerra ou batalha, por mais difícil e sem coração que possa parecer, o protocolo é ignorar os corpos ao chão e focar no inimigo à frente, todos treinados por Watari sabiam e eram cobrados acerca disso. Era exatamente o que eu estava fazendo, até reconhecer a marca no rosto de Puri, jogada e ensanguentada atrás do velho que a protegia.

– Ela está bem – disparou rapidamente Watari ao notar minha reação, apesar de não desgrudar os olhos dos inimigos sequer por um segundo.

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11/3/2020, 22:03

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Respirei fundo e deixei a ira e preocupação saírem com o ar morno dos pulmões. Olhei para o inimigo do meio e pela primeira vez notei o Byakugan ativo em um dos seus olhos, o mesmo lado roubado de Puri. Nenhum dos mortos e os ainda vivos possuíam identificação ou qualquer característica que os ligasse a alguma nação ou grande vila, as coisas começavam a fazer sentido.

– Vocês vieram terminar o serviço?! – Perguntei sem qualquer esperança de resposta.

Estava calmo. Era a primeira vez que o cenário complicava tanto da pele para dentro e para fora depois de ter despertado o Sharingan, talvez a marca que a calma que me assolava tenha deixado na memória dava-se pela facilidade de enxergar tudo. Via seus fluxos de chakra e sabia que não trabalhavam para tecer nenhum selo ou invocar qualquer técnica. Acompanhava seus movimentos antes mesmo de se mexerem, por mais ínfimo que fosse, como o subir e descer do peito ao inflar dos pulmões.

– Eu cuido do ladrão de olhos – avisei a todos que estavam me olhando e ouvindo enquanto caminhava até o centro da distância entre os inimigos e Watari.

– Tenho certeza que ele veio por Puri, vou acabar com isso.

– Eles a perseguiram até aqui, provavelmente ela fugia para nós. Apesar de ferida, conseguiu levar uma boa soma deles – notei a tranquilidade voltando aos aspectos do velhote, combustível para minha confiança inflamar e aquecer os músculos.

– Ótimo. Vamos acabar com o resto – minha voz foi fria, constante e sem emoção.

Disparei repentina e aleatoriamente ao encontro do ladrão, espetei-o no peito com a kunai sacada em meio ao movimento e firmada com as duas mãos para não ceder a resistência dos ossos. Estranhei quando o ferro entrou limpo e sem resistir, o corpo sorriu e se desfez em dezenas de corvos barulhentos e apressados.

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12/3/2020, 01:34

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O ataque me deixou próximo dos outros dois inimigos, se eu estivesse sozinho teria sido burrice e imprudência. Porém, os dois golpes de espada – um imbuído em chakra – foram veloz e habilmente barrados pela estrutura de pedra erguida pelo velhote. Confiava na sua agilidade e sabia que manteria os dois sob controle enquanto cuidava do principal.

Os corvos se dispersaram e juntaram-se novamente, distantes e na forma do homem atingido. Não o deixei se recompor, juntei rato, cachorro e tigre nas duas mãos e explodi em chamas o chakra acumulado no peito. As labaredas tomaram conta do campo e engoliram o oponente até sua silhueta sumir em meio a vermelhidão.

Watari já tinha levado os outros dois ninjas para uma parte diferente do jardim – que não tinha menos de seiscentos metros de raio – quando a ferocidade da nossa batalha aumentou. Apesar da diferença entre as habilidades no uso de ninjutsu, o olho de Puri mantinha o ladrão em igualdade na luta. Não, apesar deu ser capaz de acompanhar seus movimentos a tempo de me defender ou esquivar e de pressioná-lo muitas vezes com algumas técnicas, seus músculos batiam mais forte e moviam-se mais rápidos. Os movimentos do seu corpo eram mais complexos e encaixavam mais ataques que o meu. O que estava acontecendo?! Minutos atrás meus olhos deslocavam-se com certeza e enxergavam com clareza, emanavam confiança para cada célula do corpo. Agora eles corriam pra lá e pra cá, no encalço de golpe atrás de golpe, sofrendo e falhando em me manter afastado da lâmina que me perfurou e deslizou pela carne até atingir o ar do outro lado do peito atravessado. Não deixei a oportunidade escapar, prendi-o pela mão ainda apoiada na arma e soquei-o com tudo que me restava na mão direita.

O impacto arremessou o homem para longe e criou abertura para eu me afastar aos saltos. Tirei a espada do peito com um puxão rápido e firme enquanto já banhava a ferida com a energia esverdeada do Shōsen. Infelizmente meu Iryō não servia para lidar com o corte gigante e necrosado no meu orgulho, nem para diminuir o ódio que queimava como combustível para me deixar em pé. Não pude proteger Puri quando a emboscada do oponente tirou seu precioso olho e agora meu treinamento e preparo sequer serviam para vingá-la.

Por um instante recolhi os pensamentos para trabalharem em uma estratégia que me distanciasse do oponente. Estava frustrado, queria vê-lo morto e não sentia ser capaz de fazê-lo naquele instante. Fui criança, pelo tempo de um suspiro. Esqueci-me do meu sangue e da minha história, dos meus deveres e do destino que eu sequer acreditava até ali. Mas ele não dependia da minha crença e nem se ofendia com a falta dela. Novamente senti o chakra correr pelos globos dos olhos e riscar o entorno da íris na forma do terceiro tomoe. Eu não podia ver, é claro, mas era incapaz de confundir a sensação com qualquer outra. E o que eu enxergava...

– Entendo... - Olhei para as mãos, já não fazia diferença criar abertura ou não para o inimigo – Antes eu julgava entender o motivo de tanta cobiça pelo poder desperto nos olhos. – Voltei a encará-lo e o ataquei com um sorriso no rosto.

– Genjutsu: Sharingan! – Não me incomodei em revelar meu propósito em voz alta, seus olhos já estavam vidrados nos meus.

O Sharingan ainda nadava nos meus olhos, o ladrão ajoelhado e babando bela boca aberta, a visão estática ao horizonte e sem qualquer indício de vida, apesar do coração pulsante. Vasculhava cada canto da sua mente tanto em divertimento e vingança sobre o troféu de batalha, quanto pela curiosidade a respeito do alcance das minhas capacidades.

– Devo confessar, eu gostei dos seus corvos. – Comentei comigo mesmo enquanto mudava a abordagem do genjutsu.

– Por que não me mostra como os conseguiu?

Suas mãos juntaram-se robotica e lentamente, teceram selos breves e trouxeram uma explosão curta de fumaça. Peguei o pergaminho invocado tendo noção do que se tratava, abri-o e confirmei.

– Fico feliz que tenha o contrato com você. Você roubou algo da minha amiga, então vai entender por eu roubar isso também, certo?!

Mordisquei o dedão e espalhei o pouco sangue pelo restante das digitais e marquei o pergaminho com a impressão vermelha da minha mão direita. Não tinha se passado muito tempo desde meu aprendizado em espaço-tempo com o ermitão jovem da reserva florestal da Nuvem, as técnicas de invocação e seus funcionamentos já perambulavam minha mente e ambições muito antes do incidente com Puri. Os corvos combinavam com a minha pessoa e o destino se fez presente novamente.

– Bom, seu eu roubasse apenas esse contrato de você nós não estaríamos acertados, estaríamos?! Você também tentou roubar a vida dela se não me engano. Tentarei roubar a sua e a nossa dívida estará certa – o som do metal cortando ar e garganta não esperou as palavras terminarem.

HP [650/650] | CH [800/1300] | ST [4/5]