Não tínhamos demasiadas mordomias na residência em que eu e minha mãe adotiva ocupávamos, e, até certo ponto, via aquilo como algo positivo; talvez, se tivesse desde o início de minha vida todas as riquezas que eu poderia proclamar por direito hereditário, minha personalidade não seria tão afiada quanto creio que seja neste momento. Desenvolvi um melhor senso crítico a respeito das coisas, assim como algumas diferenças e desigualdades que se pode ver em todos os lugares se tornaram tão claras como o dia para mim. Preferia presumir, através desta linha de raciocínio, que parte de meu potencial só foi desbloqueado para mim tão cedo em minha vida porque me encontrava na situação em que estava. Além do mais, tinha um completo pano de fundo em minha mente sobre a rica história de minha família, o que eu julgava como algo de extrema importância e que poucas pessoas tinham. E não é como se eu não tivesse nada em sentido material também; julgava que tínhamos o suficiente, sendo nossas posses uma montanha na Aldeia Oculta que nos acolhia. Nesta montanha, tínhamos uma casa razoavelmente espaçosa. Todo o vilarejo, na verdade, tinha uma aparência peculiar, sendo casas construídas nas laterais de formações rochosas. Sempre que via o vilarejo dum ponto de vista panorâmico me perguntava se tinha algo a ver, mesmo que uma remota semelhança, com o reino de minha família.

Não pretendia empacar na mesma posição. Muitas pessoas haviam depositado confiança em mim - o general, por arriscar sua vida em me salvar, minha mãe por me gerar e minha mãe adotiva por zelar tão cuidadosamente de mim - mas eu tinha certeza de que era capacitado o suficiente para atingir suas altas expectativas. Não se nasce de uma "deusa do Sol", como chamavam-na, sem recursos, como de esperar. E o primeiro passo para que eu não entrasse no marasmo ninja era realizar missões; começaria pelos níveis baixos e subiria gradativamente conforme meu corpo se adaptasse ao ritmo. Espalhadas pela vila poderia se ver de maneira distinta as centrais de distribuição de missões. De nome auto-explicativo, funcionários dentro destes complexos tinham a incumbência de atribuir missões à ninjas de acordo com sua experiência. Interagi com o lugar pela primeira vez para coletar a primeira de minhas missões. Limpar uma floricultura. Isto dizia bastante; provavelmente as missões de nível baixo envolviam clientes locais abastados pagando ninjas para que cuidassem de tarefas e completassem deveres que não poderiam o fazer. Não planejava perder muito de meu tempo com tarefas banais como estas, então resolvi utilizar o máximo de mim para concluir a tarefa o quanto antes. No retorno, revolveria á central para entregar a missão e receber a recompensa pela tarefa desincumbida.

Desde a última - que na verdade foi a primeira - missão de nível baixo que realizei, pude ter uma noção vasta do que revolvia em torno de tais incumbências. Entendi que, ao invés de atender necessidades urgentes da vila, éramos contratados, muito provavelmente por clientes pessoais e abastados que moram na vila, para realizar suas tarefas; seja porque não desejam fazê-las, seja porque estão muito ocupados para tal, seja porque não conseguem, seja por que não lhes é muito conveniente fazer algo tão inútil. Felizmente, realizar tais missões significava ser pago com os investimentos destes já mencionados clientes, portanto não carregava minhas reclamações adiante. Não obstante, era uma das maneiras mais perceptíveis de enriquecer minha ficha ninja e demonstrar minha proficiência como um todo; se não fosse o suficiente, completar determinado número de missões deste nível era parte dos requisitos que deveriam ser atendidos caso eu desejasse aumentar meu cargo no futuro. Por hora não havia notado alguma outra maneira que fosse aprontar meu corpo e refinar minhas habilidades de quaisquer maneiras, então se podia dizer que missões assim eram um mal necessário.

Lembro-me que Kanae, minha mãe adotiva, havia comentado sobre ter ouvido um estrondo ou algo do tipo nos dias recentes. Como era conversa cotidiana e eu estava lendo um livro, não dei tanta atenção; mas imediatamente conectei os fatos quando denotei que a missão que havia recebido envolvia realizar reparos numa área da vila que havia sido danificada em combate. Interessante. Isto implicava que missões nível D não eram dadas apenas por clientes que pagavam a vila, mas pelo próprio sistema governamental quando se via a necessidade de o fazer. Afinal de contas, dificilmente uma empresa privada pagaria a vila para reparar ela mesma, sim? Caso se desse assim, seria a fonte de lucro perfeita para a aldeia. De quaisquer maneiras, não pretendia me prolongar tanto em pensamentos sobre coisas inúteis ou pouco relevantes, então apressei-me em dirigir para o local que se via em reconstrução e auxiliar os construtores a reparar os danos causados.

Encontrava-me caminhando pelas ruelas do vilarejo. Pensando bem, não havia tirado o tempo necessário para explorá-la. E acreditava que, em eventos futuros, conhecer os pormenores da região geográfica que constantemente interagia comigo seria de grande vantagem em quaisquer hipóteses. Mas uma só caminhada não bastaria, entretanto: as "ruas", se é que poderiam ser chamadas assim, nada mais eram do que as frestas entre as incontáveis montanhas que caracterizavam o vilarejo. Portanto, me perder era uma verdadeira possibilidade no começo. Havia marcado alguns pontos de referência durante meu trajeto, portanto ainda não havia me perdido, mas era incontestável o quão confuso era me mover por aqui. Talvez devesse subir até o topo das montanhas e me mover por cima, pulando entre as estruturas rochosas para rumar ao objetivo. É mais provável perder um lugar de vista quando ele está em cima de você do que perder um lugar de vista quando ele está em baixo de você. Inevitavelmente realizei algumas contas para ter a certeza matemática de que minha linha de raciocínio estava correta e, quando tive tal certeza, flexionei meus joelhos para dar um pulo. E foi neste exato instante em que um estrondo nas proximidades chamou-me a atenção antes de que eu completasse minha ação. As coisas estavam entediantes até então, portanto não poderia perder muito por verificar o que é. Talvez, como um ninja, este fosse meu trabalho agora, de qualquer forma.

Como julguei ser um incidente recentemente ocorrido, não me dei ao luxo de calcular a melhor rota e efetuar cálculos de aproveitamento e efetividade, portanto limitei-me à primitiva e tétrica tarefa de correr em direção ao local em que meus ouvidos captaram a origem sonora. Conforme aproximei-me, meus olhos captaram alguns elementos que corroboravam com a teoria do acidente; algumas pessoas corriam para longe, uma gritaria à distância podia ser ouvida e um grande feixe de fumaça negra erguia-se no ar. Pela tonalidade da fumaça, era uma queima de detritos que não ocasionalmente serviam como combustível para o fogo. Neste momento, carregava comigo a certeza de que algo havia acontecido. Estava, agora, próximo o suficiente da fumaça para ver sua origem: um pequeno ajuntamento rochoso dava entrada ao que aparentava ser uma mina, diretamente delineada para baixo da terra. Algumas instalações próximas, sem dúvidas dos que estavam trabalhando nas minas, receberam dano colateral e estavam queimando. Uma explosão interna, portanto. Teria de ser rápido, agora. Agilmente entrei pela coluna de fumaça e mina adentro. Durante o percurso, pude ver alguns corpos no chão. Não poderia mais salvar estes. Alguns bramidos se tornavam audíveos do fundo das cavernas, entretanto, e meu trabalho ainda poderia ser feito por lá. E assim o fiz. Não era muito forte fisicamente, portanto limitei-me a trazer um corpo para fora de cada vez até que terminasse. Meus superiores estavam na entrada da caverna quando terminei, e saudaram-me pela prontidão, alegando que eu poderia coletar uma recompensa na central mais próxima. Despedi-me dos mesmos e me retirei dali.