Desde o terrível atentado que vitimara os Reis, um manto de luto parecia ter se estendido sobre o reino. As horas se arrastavam lúgubres, e as sombras do infortúnio pareciam mais longas a cada dia que passava. Shion, embora sufocado pela dor e pelo remorso de não ter podido prestar as últimas homenagens pessoalmente, providenciara que flores frescas e condolências fossem entregues em cada uma das cerimônias fúnebres.

Com o passar de poucos, mas longos dias, uma nova reunião foi orquestrada com o intuito de estabelecer alguma ordem naquela desordem monárquica. Shion ofereceu os jardins de sua residência como um santuário para a conversa necessária, um refúgio calmo e seguro da tempestade política que se avizinhava. Os quatros príncipes, agora elevados ao posto de reis, concordaram com a proposta, ansiando por um terreno neutro onde pudessem tecer os fios do diálogo.

O relógio marcava pouco mais das duas da tarde quando Shion, apoiando-se em uma bengala com uma dignidade dolorosa, desceu as escadas. As ataduras em sua cintura e a bengala eram testemunhas mudas da brutalidade que sofrera. Hope, com uma faixa estabilizando o braço, seguia ao seu lado, a face marcada pela resiliência. Para os familiares, a cena era um enigma doloroso. Havia apenas alguns dias, Shion e Hope exibiam a vitalidade de sempre, correndo e brincando com as crianças, a vida pulsando forte em seus gestos.

A resposta para tal mudança abrupta chegou com o som de veículos se aproximando, quebrando a serenidade habitual do lugar. O grande portão da mansão se abriu revelando a comitiva real. Naquele momento, a postura de Shion, Hope e Ayako chamou a atenção de Katsura e Angell. A descida lenta e laboriosa de Shion pelas escadas, com Ayako oferecendo seu suporte, era um retrato da fragilidade humana. Lá de baixo, as expressões dos dignitários refletiam a compaixão silenciosa, a empatia dolorida ao ver o esforço de Shion e Hope.

Cada degrau parecia um desafio, Hope quase se desequilibrava, mas a mão firme de Hakurei a auxiliava. E assim, com uma lentidão que parecia esticar o tempo, os quatro finalmente alcançaram o patamar onde os reis os aguardavam. Shion, com uma voz carregada de emoção contida, expressou seus pêsames e lamentou a ausência nos velórios, uma falta que agora era claramente justificada. Os reis, vendo o estado dele, acenaram com compreensão, e juntos, moveram-se na direção do jardim, onde as discussões sérias e necessárias aguardavam. A atmosfera estava carregada de promessas e desafios, enquanto o destino de um reino pendia na balança.

O cenário diante deles era uma tela de paz e serenidade. O vasto jardim, com sua tapeçaria de flores e folhas, parecia um refúgio do caos que se desenrolava fora daqueles muros. Uma mesa generosamente servida os aguardava, como um oásis de normalidade em meio à tempestade que assolava o reino. Um a um, foram tomando seus lugares, com Ayako oferecendo sua mão amiga para ajudar Shion a acomodar-se na cadeira central, o ponto focal daquela reunião.

Uma vez acomodados, um silêncio pesado pairou no ar, como uma névoa densa, carregando consigo o peso das palavras não ditas. Shion, com uma voz tingida de tristeza e resiliência, quebrou o silêncio, suas palavras cortavam a quietude como uma lâmina afiada. – Ao olhar para os rostos dos meus filhos, sou lembrado da injustiça brutal que recai sobre todos nós. Hoje, poderiam ser Hope ou Ayako carregando o fardo da dor que vocês agora suportam. Eu já perdi dois pais, e cada perda é um golpe cruel. Já estive nas duas posições: o filho que perdeu o pai, e o pai que perdeu os filhos. É uma dor que despedaça a alma, mas, felizmente, tive ao meu lado pessoas de coragem e bondade para me sustentar. –

Seu discurso abriu as comportas para a conversa que se seguiu. – Aqui estamos novamente, e agora, como reis, nos encontramos como iguais. Como legado dos seus pais, sinto que temos a oportunidade de retomar o que foi interrompido naquele trágico dia. –

Os olhos dos presentes se fixaram em Shion, a antecipação era quase palpável. O recém-coroado Rei Hozuki indagou, sua voz refletindo a curiosidade que o consumia. – Você mencionou a unificação sob uma bandeira, o que exatamente isso implica? –

Com uma eloquência nascida da experiência e da sinceridade, Shion explanou. – Seus pais e eu passamos anos demais como adversários em campos de batalha, engajados em conflitos sem sentido. Nos momentos em que mais precisávamos uns dos outros, virávamos as costas, e nossas nações sangravam por nossa intransigência. As perdas... eram incalculáveis. – Shion pausou, seu olhar varrendo cada rosto presente, antes de prosseguir. – Chega de derramamento de sangue, chega de lágrimas. Estou exausto de enterrar amigos, pais, filhos, irmãos. Proponho algo mais profundo que uma aliança formal, mais significativo que um contrato. Proponho uma união verdadeira, estou disposto a unir nossas terras sob uma única bandeira, sem preconceitos, sem distinção de raça, sob um único nome. Governo há mais de um século, e conheço bem o peso desta coroa. Entendo as responsabilidades que recairão sobre vocês, e não estou pronto para passar esse fardo aos meus filhos ou a qualquer outro. É essa a minha proposta: hoje, aqui, cinco se tornará um. –

As palavras de Shion reverberaram pelo jardim, ecoando a promessa de uma nova era, um novo começo, um caminho de unidade e esperança em meio às cinzas da adversidade. A proposta era audaciosa, um convite para deixar de lado as divisões do passado e marchar juntos em direção a um futuro de paz e prosperidade compartilhadas.

O silêncio, denso e palpável, se estendeu pelo jardim, envolvendo os monarcas em uma aura de contemplação. Os rostos dos Reis Nara, Hozuki, Uchiha e Senju eram máscaras de reflexão, cada um digerindo a proposta audaciosa de Shion. Contudo, um lampejo de entendimento brilhou nos olhos do Rei Hozuki, que, com um sorriso leve, quebrou o silêncio. – Mas e a influência de nossas famílias? Nossos privilégios? –

Shion retribuiu o sorriso com uma serenidade tranquila. – O legado de sua família permanecerá intacto. – As palavras dele pareciam carregar um peso de certeza que, de alguma forma, acalmava as inseguranças que pairavam no ar.

Naquele silêncio que se seguiu, a primeira aceitação veio do Rei Nara, o mais jovem entre eles. Desde que a coroa fora colocada sobre sua cabeça, o medo da responsabilidade o assombrava, e agora, ao aceitar a proposta de Shion com um aceno, parecia aliviar-se de um fardo imenso. O Rei Uchiha, sem hesitar, seguiu o gesto, dirigindo-se a Shion com uma familiaridade afetuosa. – Primo Shion, sim. –

Com dois acenos de aprovação, os olhos dos presentes se voltaram para os dois reis restantes. O Rei Hozuki, sentindo a pressão do momento, liberou um sim, acompanhado de um sorriso resignado. – Meu pai sempre lamentou o peso da coroa, Senhor Shion. E ele era um homem sábio. Se ele achava um fardo pesado, eu certamente acharia. Sim. –

Agora, todos os olhos estavam cravados no Rei Senju, cujo rosto permanecia uma fortaleza de seriedade. Seu silêncio carregava uma tensão que se infiltrava no ar. Shion, com uma paciência de aço, incentivou-o. – Fale o que está em sua mente, aqui somos todos iguais. –

Senju hesitou, seus lábios tremiam ligeiramente, mas finalmente, com uma coragem recém-descoberta, ele falou. – Na véspera deste encontro, busquei conselhos com minha avó, uma alma mais velha e, sem dúvida, mais sábia. – Shion, interessado, mudou seu foco para o jovem rei. – E então? –

Senju, reunindo uma força que parecia vir das profundezas de seu ser, continuou. – Ela me contou uma história... sobre um homem cuja ambição o levou a cometer o impensável, um homem disposto a sacrificar a própria mãe por um pedaço do mundo. Esse homem é você, Hattori Shion. Sob pressão, eu poderia ceder e dizer sim, mas não será tão fácil para você. Estou inclinado a aceitar, mas com minhas condições. –

A expressão de Shion se endureceu levemente, a curiosidade tingida de cautela. – E quais seriam? –

Com um movimento fluido, Senju se levantou, sua voz reverberando pelo jardim com uma gravidade que desafiava sua idade. – O Senju desafia o Hattori para o Mak’Gora. –

A declaração ressoou pelo ar, um desafio lançado, uma tradição invocada. O Mak’Gora, um duelo de honra, agora se apresentava como o ápice de uma jornada de união e sacrifício. Os olhos de todos presentes se voltaram para Shion, aguardando a resposta do Rei Hattori diante da audácia do jovem Senju. O destino de cinco reinos agora pendia na balança de um desafio ancestral, e o silêncio que se seguiu carregava o peso de séculos de história e destinos entrelaçados.


Uma onda de espanto reverberou pelo jardim ao ouvir o desafio audacioso do Senju. Murmúrios de incredulidade e apreensão entrelaçavam-se entre as folhas das árvores. – Está louco? – Alguns questionaram, a voz trêmula refletindo a tensão que pairava no ar. Senju, contudo, mantinha uma determinação inabalável. – Os Hattoris e os Senjus são guerreiros. Se eu cair em combate, vocês terão meu sim. Se vencer, minha resposta será clara. –

Shion, por um momento, fechou os olhos, como se estivesse mergulhando nas profundezas de seu ser em busca de discernimento. Com uma calma que parecia emanar de um lugar de aceitação, indagou. – Essa é a única alternativa? – Senju, sem hesitar, reafirmou. – Sim. –

Ao abrir os olhos, o olhar de Shion carregava uma resolução tranquila. – Eu aceito. Quais os termos? –

A resposta de Senju carregou uma pitada de respeito misturada com provocação. – Por lei, o desafiante escolhe o adversário e a forma de combate. Não vejo honra em enfrentar um homem ferido. Ayako não é da família, e Hope também está ferida. Desafio Angell Hattori para um combate até a morte, como samurais. –

Shion apenas acenou em concordância, sua expressão era uma fortaleza inescrutável. O silêncio que se seguiu foi apenas quebrado pelos murmúrios de Ayako e Hope, cujos rostos estavam tingidos de ira contida. Com uma autoridade calma, Shion selou o acordo. – Está acertado então. Dentro de uma semana, Senju, terá seu combate. Preciso descansar agora. –

Os reis, um a um, foram se retirando, deixando Shion sozinho no jardim que agora parecia carregar a sombra do desafio lançado. Shion permaneceu imóvel, seus olhos fixos no horizonte, até que os últimos ecos dos passos dos reis se dissipassem na distância.

Quando a solidão envolveu o jardim, Ayako quebrou o silêncio com uma palavra carregada de preocupação. – Pai... –

Foi como se uma represa tivesse se rompido dentro de Shion. Com um aperto furioso, estraçalhou a bengala em sua mão, e com um movimento violento, virou a mesa, lançando a comida ao vento em um gesto de desespero e ira. Um rugido de raiva escapou de seus lábios, ressoando pelo jardim como um trovão. Sem dizer uma palavra, começou a caminhar de volta à casa com passos pesados e decididos.

Hakurei o interceptou no caminho, a urgência em sua voz era evidente. – Você não vai deixar isso acontecer, vai? –

Shion, com um olhar que carregava tempestades, passou por ele sem responder, seu caminho rumo à casa era um rastro de fúria contida e determinação inabalável. O futuro agora carregava a promessa de um confronto cujo desfecho poderia redefinir o destino de reinos inteiros.

Shion atravessou o caminho de volta à sua residência, cada passo um esforço para domar a tempestade que rugia em seu interior. À medida que se aproximava do lar, o turbilhão de emoções dava lugar a uma calma forçada, uma máscara de serenidade que ele sabia que precisaria ao revelar os acontecimentos do dia para Katsura e Angell.

Ao entrar pela porta, viu-as ali, a imagem da paciência e da espera. Katsura, com um olhar penetrante, e Angell, a inocência personificada, ambas desfrutando de um momento de tranquilidade interrompido apenas pelos risos das crianças absortas em seus jogos virtuais. Shion caminhou até elas e se acomodou, o peso do mundo parecendo repousar em seus ombros. Katsura levantou-se, sua pergunta cortando o silêncio. – Como foi?

Ele ofereceu um sorriso desgastado, uma fachada frágil. – Foi ótimo, amor. – A resposta não convenceu, e Katsura, com a intuição aguçada de quem conhece o coração de quem ama, insistiu. – Então, por que essa cara?

A risada que Shion soltou era quase uma caricatura, tensa e desafinada. – Amorzinho, sabe o que é, hihihihi... – A tensão crescia enquanto ele ria, sua expressão contorcendo-se entre a comicidade e o desconforto. Katsura, com os braços cruzados e o pé batendo em um ritmo crescente de impaciência, exigiu a verdade. – Então amorzinho, sabe aquilo que você me avisou para não fazer...
Ela recuou, um pressentimento sombrio a invadindo. – O que você fez, Shion?

Ele tentou manter o sorriso, mas a máscara já estava rachando. – A reunião foi boa... Nara disse sim, Uchiha disse sim, Hozuki disse sim, hihihi...

Katsura, agora com uma irritação palpável, pressionava. – Mas...?

Shion engoliu em seco, a verdade finalmente escapando. – O Senju... ele exigiu um Mak’Gora.

O choque de Katsura foi um golpe visível. – Ta, quem vai lutar?

Shion, com cada palavra se tornando mais pesada, tentava suavizar a revelação. – Então... ele desafiou os Hattoris...

Katsura, sua voz tingida de um medo crescente, tentou adivinhar. – O Ayako!? A Hope!???

Com cada negativa de Shion, o pavor de Katsura aumentava, até que a terrível compreensão a atingiu. Ela correu até Angell, envolvendo-a em um abraço protetor, sua exclamação sufocada pela emoção. – NÃO, O MEU BEBÊ!

Shion observava, a expressão de remorso tomando conta de seu rosto. – Fiz merda. – As palavras eram um sussurro de desalento, enquanto ele aguardava, quase temendo a reação de Angell, o coração batendo em uníssono com o tic-tac do relógio, cada segundo esticando-se indefinidamente enquanto a resposta pendia no ar, um fio frágil prestes a ser rompido.

Shion, com um semblante sério, lançou um olhar para os dois jovens que estavam absortos em seu jogo, buscando uma maneira de preservá-los da conversa densa que se seguiria. Como se uma lâmpada acendesse em sua mente, voltou-se para Ayako com uma sugestão camuflada, – Não está na hora de levar os dois para caçar aquele monstro? – A menção ao monstro despertou uma excitação imediata nos jovens, que vibraram com a ideia de uma nova aventura. – MONSTRO! – gritaram Lazulli e Asuka, seus olhos brilhando com a expectativa da caçada. Ayako, percebendo a intenção de Shion, conduziu-os para fora, deixando a sala em uma calma tensa.

Com os passos ressoando pelo silêncio da sala, Shion começou a andar de um lado para o outro, desfiando as palavras que explicariam o desafio iminente. – Há séculos, foi criado um desafio chamado Mag'Gorah, visto como a forma mais justa de resolver conflitos. Nele, todos são nivelados, sem vantagens de poderes ou habilidades extraordinárias. Apenas o condicionamento físico de cada um faz a diferença. –

Hakurei, com uma mistura de curiosidade e irritação, questionou. – Curas ou outras habilidades não têm influência? –

Hope, com uma pontada de aspereza na voz, esclareceu. – Ao entrar no coliseu, você é despojado de tudo. Pode ser o mais poderoso fora, mas lá dentro, é apenas um gladiador comum, confiando unicamente em sua força física. –

A explicação não pareceu acalmar Hakurei, que novamente lançou uma pergunta ao ar. – Esse Senju é tão forte assim? –

Shion, com uma paciência controlada, elucidou. – Você está perdendo o ponto. Não é sobre força bruta. Ele propôs uma batalha samurai; as regras, o estilo de luta, são completamente distintos. Eu poderia lutar, pois Daelin me ensinou as artes. – Seu desabafo continuava, a frustração tecendo cada palavra. – Aquela maldita Senju, eu deveria ter percebido. Ela era muito próxima de Azshara. – As mãos de Shion se fecharam em punhos, a raiva vibrando em suas veias como uma corda tesa.

A indagação de Hakurei rasgou o silêncio que se abatia sobre a sala. – Ela pode recusar a luta?

Shion, com os olhos fixos no chão, murmurou uma resposta que carregava a dureza da realidade. – Ela pode, mas...

– Mas o que? – Hakurei pressionou, o tom impaciente.

– Toda a nossa luta teria sido em vão. – A resposta de Shion carregava um peso inexprimível, e os olhares trocados entre ele, Hakurei e Hope refletiam a amargura daquela constatação. Todo o esforço meticuloso, cada movimento calculado em direção ao grande prêmio, agora parecia estar à beira do abismo.

A voz de Katsura se ergueu, cortante como o frio vento do inverno. – É um combate até a morte, Shion. Parabéns, você fez exatamente o que eu te implorei para evitar.

Shion, com o rosto tingido pela ira, retrucou. – Não é hora para um “eu avisei”, Senhorita Grey. – Suas palavras, afiadas e carregadas de amargura, trouxeram à Katsura memórias de um tempo que parecia distante.

– Então nos explique, grande Hattori. Diga à sua família o que você fez. – A acidez de Katsura revidou, a raiva irradiando de seu ser.

A tensão entre eles transbordou, transformando-se em uma tempestade de palavras trovejantes. Eles avançaram um em direção ao outro, deixando Angell para trás em uma ilha de silêncio entre os mares tempestuosos. A discussão aumentou em volume e fervor, cada palavra uma lâmina afiada cortando o ar. Os filhos, testemunhas do furioso embate, sentiam o coração se apertar com cada acusação lançada.

– Quer saber por que fizemos o que fizemos, Katsura? – rugiu Shion, o rosto a centímetros do dela.

– Ah, estou ansiosa para ouvir o grande plano. – Katsura disparou de volta, os olhos faiscando com uma chama indomável.

– Fizemos porque nossos filhos pediram! – Shion retorquiu, suas palavras ganhando uma intensidade feroz. – Passaram décadas sem ver o pai, sem viver uma única aventura ao meu lado. Ouviram as histórias que Angell e eu compartilhamos, e isso desencadeou uma inveja, um ciúme. Eu moveria céus e terra por eles! Por isso, orquestramos aquele plano, Hakurei na armadura, eu fornecendo as coordenadas, a estratégia. E tudo correu como deveria, quatro tiros certeiros. E ao retornarem para casa? Eles estavam radiantes, rindo, comemorando! Nunca os vi tão felizes. Somos guerreiros, Katsura. Nós, os Hattoris, não somos mensageiros da paz. Nossas veias pulsam pelo conflito, quer você aceite ou não.

O duelo verbal continuava fervoroso, mas apenas uma pessoa ali tinha o poder de silenciar aquela tempestade, apenas Angell. E todos sabiam que somente ela, com sua calma serena, poderia trazer o porto seguro no meio daquela tormenta, de um jeito ou de outro.

A atmosfera na sala estava carregada, a eletricidade das palavras cortantes entre Shion e Katsura vibrava no ar. Hope e Hakurei, na tentativa de serem os pacificadores na tempestade que se desenrolava, se levantaram para separar os dois antes que as coisas esquentassem ainda mais. Eles pediam calma, mas suas vozes eram como sussurros perdidos no furacão de emoções.

No meio da tempestade, uma voz suave e firme irrompeu, clara como o som de vidro se quebrando. Era Angell, com uma serenidade que contrastava com a agitação ao redor, aceitando o desafio do Mak'Gora. O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor, como se o tempo tivesse congelado naquele instante. Todos os olhares se voltaram para ela, a surpresa estampada nos rostos de Hope e Hakurei, enquanto Shion e Katsura, ainda ofegantes da batalha verbal, se encaravam com olhos ardentes de raiva não resolvida.

Mas a raiva que ardia nos olhos de ambos foi suavizando, dando lugar a uma compreensão silenciosa. Eles olhavam para Angell, que com a calma de um lago tranquilo, perguntou sobre a possibilidade de vitória. Shion, enquanto respondia à pergunta de Angell, manteve seu olhar fixo em Katsura. – É claro minha filha. – As palavras dele carregavam uma promessa silenciosa.

Katsura, com um misto de emoções transbordando de seus olhos, olhou para Angell, e por um momento, a reprovação que brilhava em seus olhos deu lugar a um orgulho quieto, seguido de um sorriso suave. Ela voltou seu olhar para Shion, a seriedade retomando seu lugar. – Quantos dias? – A pergunta dela foi direta e Shion respondeu sem hesitar. – Uma semana.

– Você consegue preparar ela? – A voz de Katsura tremia ligeiramente com a preocupação de uma mãe.

Shion, com uma determinação inabalável, olhou para Angell e depois para Katsura. – Consigo.

Katsura respirou fundo, o gesto parecia carregar o peso do mundo. As lágrimas que ameaçavam cair foram engolidas com a decisão que tomou. – Então eu permito.

Shion acenou a cabeça para Katsura, sua gratidão palpável no ar. Katsura, com os olhos fixos em Angell, tentava reprimir as lágrimas que ameaçavam romper as barreiras de sua compostura. A luta de Katsura era como uma tempestade silenciosa, os ventos de suas emoções sopravam forte, mas ela se manteve firme. Shion a envolveu em seus braços, fornecendo o refúgio necessário para a tempestade que assolava seu coração.

Eu juro por Daelin, eu vou fazer de tudo para que ela, em uma semana, se torne a melhor samurai. Mas eu preciso que você seja forte, para que ela seja forte, para que todos nós possamos ser fortes – as palavras de Shion eram um bálsamo sobre as feridas abertas no coração de Katsura.
Ela se permitiu relaxar nos braços de Shion, buscando um fragmento de paz no meio do caos que se desdobrava. Enquanto isso, Hakurei se aproximou de Angell, segurando suas mãos com uma delicadeza que contradizia a gravidade da situação.
Se eu soubesse... eu não teria – sua voz era um murmúrio carregado de arrependimento. Ele beijou as mãos de Angell, um gesto de respeito e de fé. - Você nunca perdeu uma batalha, por isso sei que vai vencer.
Dando um passo para trás, ele abriu espaço para Hope, que olhou para Angell com olhos que sempre carregavam uma dureza inabalável. Mas hoje, pela primeira vez, essa muralha de frieza se desmoronou. As lágrimas romperam as defesas de Hope, descendo livremente por seu rosto enquanto ela abraçava Angell apertadamente.

Oh minha irmãzinha, não era isso que eu queria – sua voz tremia com a emoção que transbordava. - Você consegue me perdoar?

A despedida entre mãe e filha foi um momento de ternura em meio ao turbilhão de emoções que se agitava no ar. Katsura, com sua face enterrada nos cabelos de Angell, sentia cada fibra de seu ser tremendo com a força daquele amor materno que parecia capaz de desafiar o próprio destino. A voz dela, embora trêmula, carregava uma certeza e uma força que só poderia vir do coração de uma mãe.

Meu bebê, meu bebê, eu esqueço às vezes a mulher extraordinária que você é – suas palavras eram como pétalas de rosas caindo suavemente sobre a alma de Angell.
Ela ergueu o rosto de Angell, olhando nos olhos que refletiam a bravura e determinação que sempre admirara. Com um sorriso que misturava orgulho e tristeza, ela continuou:

Seu pai é o homem mais burro e teimoso do mundo, mas escuta ele, faz o que ele pedir pra você fazer, e quando sentir que está cansada e precisar de força, quero que saiba de uma coisa.
Com um gesto suave, ela tocou a testa de Angell com o indicador e o dedo do meio, uma conexão profunda se formando entre elas naquele simples toque.

Te amo mil milhões – sussurrou Katsura, seu amor ressoando na quietude da sala.
Enquanto isso, Shion, que permanecera mais distante da cena emocional, sentia um misto de orgulho e apreensão. Seu olhar estava fixo no futuro, nas batalhas que viriam, nas estratégias que precisariam ser elaboradas. Ele quebrou o silêncio com uma voz firme, carregada com a urgência da situação.

Arrume suas coisas, vamos sair imediatamente – disse ele, seu tom ressoava a determinação e o foco que seriam necessários para os desafios que se avizinhavam.