Os passos da loura eram lentos e os olhos apressados, em busca de novidades. Nanami estava entediada haviam semanas, desde que o céu havia sido banhado por sangue e trevas, pois diante de tal presságio, sua superstição sugeria um retiro momentâneo de quaisquer atividades. O consenso geral da população divertia entre medo, esperança, fúria ou um misto de ambos, quando decidiam encarar o que estava acima de si. Dependia para qual lado estivessem apostando suas fichas. Mocinhos ou vilões? Humanidade ou Deus? Bem ou Mal?

— A noite é escura e cheia de horrores — proferiu em voz baixa, brincando com a sua moeda.

A cautela da Yamanaka poderia ser facilmente confundida com medo, caso confrontada. Mas era apenas uma consequência de um passado cruel e irônico. Foi num luar sangrento que presenciou a morte de ambos pais, embora o sangue deles não estivesse nos céus, apenas em suas mãos. O sorriso trocista que deu brincou com a escuridão em seu coração, quando lembrou novamente da cena traumática que constantemente passava por sua cabeça. Nanami decidiu que odiava aquele céu sangrento desde o dia em que pôs os olhos nele pela primeira vez, e se pudesse, mataria seja lá quem tivesse feito aquilo.

— Mesmo se fosse um Deus — fez ecoar o próprio pensamento, olhando de relance para a lua uma última vez, antes de seguir seu caminho.

Entrou num bar qualquer, ansiosa por um pouco de saquê, quando a transmissão que começaria a sua jornada apareceu diante dos seus olhos. Hatake Rokuro proferiu o seu discurso, inicialmente soando como mais um dos anúncios desinteressantes sobre “O Pastor”, um indivíduo qualquer que estava ganhando notoriedade nos últimos tempos. Quase ignorou tudo que fora dito, ate a parte crucial ter sido mencionada no clímax de seu comunicado: uma chacina havia sido começada, envolvendo o seu próprio clã. Por um instante, tudo ao seu redor desapareceu, permanecendo em sua mente apenas a visão da mãe morta. Lembrou-se de Shisho Yamanaka, e de como o mundo decidiu que o seu sobrenome estaria amaldiçoado até o fim dos tempos.

— Desde que eu me conheço como gente, meu clã morre como se fossem moscas. Como se nosso nome estivesse amaldiçoado, até o fim dos tempos — murmurou, num tom inaudível, cerrando os punhos com tamanha força que as unhas fizeram ambas palmas sangrarem — Querem nossas mentes, nossos corpos e o nosso poder. Jamais perdoarei o mundo por isso, e seja lá quem for, precisa pagar — atirou a garrafa de saquê recém-servida e lançou contra a parede, estilhaçando-a em mil pedaços.

Nanami ignorou os olhares incrédulos e assustados daqueles que a rodeavam, mas compreenderam o motivo. Era uma deles, um dos Yamanaka, a sua reputação era maculada desde o momento de nascença com um nome menosprezado. Alguns riram, outros, deixavam o remorso estampado em suas faces. Independente das opiniões, o repúdio pelas memórias da guerra sempre surgia, no fim. Então ela se afastou, em passos apressados, cambaleantes, segurando as lágrimas que ameaçavam cair.

”Isso recomeça de novo, e de novo, e de novo, e não para de acontecer. A dor. A dor que nunca acaba”

E partiu, para algum lugar.

(...)

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