Nem tudo é justo nessa vida. Hiruzen conhecia bem essa máxima.

Desde o início da vida na academia ninja existiam grandes expectativas sobre a criança, até mesmo seu nome era lendário, como o de um herói muito antigo. Os oficiais, chunins e jounins, se alinhavam para disputar quem o teria em seu time quando a hora fosse chegada e no fim, um deles teve êxito. Ele era como uma celebridade dentro da vila e até mesmo as tarefas mais banais, como pintar a rua, pareciam apresentar uma chance de demonstrar o quão prodigioso seria seu futuro. Tudo corria bem, absolutamente bem, melhor do que ele poderia imaginar até que… uma missão simples de escolta pelas montanhas se tornou numa pequena tragédia. Desertores próximos demais da Pedra, temerosos de uma captura, sequestraram Hiruzen e o torturaram dias a fio, imaginando que ele revelaria os detalhes de uma operação qualquer para capturar os criminosos — depois de começarem, porém, sequer sabiam o que procuravam. No fim, o descartaram e ele rastejou numa caminhada penosa até a vila.

É desnecessário detalhar sua recepção de volta à Pedra. O fato foi encoberto e quando isso não bastou, simplesmente passaram a ignorar seu acontecimento. Para muitos, ele virou um símbolo, porque apesar de tudo, seguiu com sua carreira militar, arduamente treinando e trabalhando mais que os prodígios da geração seguinte, embora o estrago estivesse feito. Agora, Hiruzen tinha por volta de sessenta anos. Era corcunda, dando a impressão de ser muito pequeno, todos os dentes tinham sido perdidos, o rosto era praticamente todo em desnível, cheio de marcas e cicatrizes. Muitas partes do corpo tinham sido mutiladas durante a tortura, inclusive sua genitália, e ele mancava muito de ambas as pernas, necessitando de uma bengala para se apoiar. O tempo tinha transformado a história — heroísmo, fraqueza, covardia, “por que esse velho não está aposentado?”, existiam muitas versões, mas o senso comum dificilmente vai além do que se vê.

Tempo presente.

O clima seco na entrada da vila desafiava quaisquer estações, era quase uniforme, condizente com a paisagem árida e rochosa. No céu distante o sol deslizava para seu repouso, muito preguiçosamente, tingindo o crepúsculo em tons arroxeados. A bela imagem se dissipava pela distância, onde o infinito ia se juntar a cadeias de montanhas distantes, o roxo descendo lentamente até se transformar na escuridão noturna. Poucos oficiais estavam de guarda naquele momento, era como uma janela de calmaria entre o caos da hora mais agitada do dia e a hora mais agitada do período noturno. Quando feitas corretamente, as missões das patentes mais baixas sempre tinham a marcação de tempo para sair em horários mais calmos.

Sempre pontual, Hiruzen estava sob o arco rochoso que marcava a saída de Iwagakure. Apoiado na bengala, sua sombra se esticava em direção ao outro lado do arco, já se projetando para a viagem. Consultou um relógio invisível no pulso direito, tentou encontrar uma posição mais confortável onde sua perna não doesse tanto ou onde as costas não estalassem com tanta frequência. Para Hiruzen, ficar de pé era uma luta contra a dor e isso sempre significava escolher a menor dor dentre várias.

Nem tão distante do portão, um oficial menor da vila procurava por Caius. O chunin tinha ficado com o menor palitinho e coube a ele a tarefa. O endereço indicado na ficha do genin foi fácil de encontrar, ele se dirigiu até lá com certa pressa. Concluindo seu dever, estaria livre para matar tempo e jogar conversa fora com outros oficiais.

Ao encontrar Caius, a comunicação seria breve e objetiva, informando ambas as missões atribuídas: o genin deveria ir até o portão da vila, onde encontraria com Hiruzen. O humor do homem não era dos melhores, mas sua disposição nunca falhava. A descrição passada tornaria fácil identificar Hiruzen e, após isso, ambos seguiriam até uma área afastada do vilarejo, para se encontrar com uma terceira pessoa a ser introduzida posteriormente.

Considerações:

Hiruzen riu audivelmente diante da provocação. Mas foi um riso breve. Um espasmo o acometeu logo em seguida, uma pontada de dor nas costas, um soluço e ele parou, limpando o ranho do nariz. Levantou a bengala e deu um tapinha na perna com ela, para despertar da dormência, se colocando a andar num ritmo lento e arrastado. Foi em silêncio até o portão, seguido pelo tic-tic-tic característico de sua bengala batendo no chão.

“Anda logo, porra!”, resmungou, a voz esganiçada como se até mesmo a força nas cordas vocais tivesse se perdido. “A missão é sua.”

Seguindo Hiruzen, a caminhada duraria em torno de vinte minutos — o que não era muita coisa se seguisse o ritmo do velho —, até o caminho se bipartir.

Pela direita, o caminho era sinuoso e as faixas de terras que deixavam a passagem eram todas mais longas, quase em zigue-zague. Apesar disso, o terreno era limpo nos arredores o que permitia ver os possíveis perigos muito antes de tornarem-se sequer uma preocupação, permitindo uma passagem segura. Porém, demoraria um tempo maior.

Pela esquerda o caminho aparentava ser mais rápido, uma estrada batida de tão usada, nitidamente o caminho que levaria menos tempo. Contudo, ao redor dessa passagem havia até mesmo elementos incomuns ao bioma do país, com árvores e arbustos se somando a estruturas de rochas, inibindo a visão das laterais.

Quando alcançassem a bipartição, seria o momento de Caius decidir, afinal Hiruzen estava lá meramente como o genin a ser levado para a montanha, onde executaria um treinamento especial. Coincidentemente, como passado pelo oficial, era o ponto onde começaria uma segunda tarefa, acompanhando um famoso explorar. No momento da escolha, Hiruzen apenas se deteria, apoiando o peso de seu corpo sobre a bengala, indagando com os olhos remelentos o outro genin a respeito de sua escolha.

Considerações:

A escolha foi feita e escolhas têm consequências. A decisão de Caius foi de seguir pelo caminho à direita, levaria um tempo maior, é verdade, mas ao menos chegariam ao destino sem quaisquer problemas inesperados. A dia correu apressado e suas cores claras se perderam noite adentro, dando lugar ao brilho da lua e das estrelas.

Ultrapassando o terreno difícil do caminho escolhido, seria visível a sombra de uma cordilheira que se erguia muito acima do nível em que vocês estavam, o ponto de chegada de Hiruzen. Diante daquela visão, seria fácil perceber o motivo de ser necessário outro genin para guiá-lo: seria impossível que Hiruzen subisse sozinho pela encosta daquela montanha sem levar um dia inteiro, tempo que não tinham — afinal, Caius deveria se lembrar que existia uma segunda missão a ser cumprida ainda, precisando chegar em seu ponto de destino o mais rápido possível.

A caminhada vai se interromper novamente, mas dessa vez no pé da montanha. Ali, Hiruzen novamente voltará a te olhar com uma pergunta nos olhos, uma pergunta clara de “como diabos vamos subir essa montanha?”, e a resposta ficaria única e exclusivamente sob sua responsabilidade. Naturalmente, qualquer que fosse a escolha, deveria ser uma que prezasse pela velocidade.

Considerações:

Nem mesmo em toda a longa história da pedra, ninjas tinham trocado momentos tão ternos quanto Caius e Hiruzen.

O velho claudicou penosamente por todo o caminho, murmurando a respeito de sua dores, xingando silenciosamente os renegados que tinham feito isso com ele, amaldiçoando o genin que apertava o passo diante dele, sem dar importância a sua quase inexistente mobilidade. Toc-toc-toc. Hiruzen fez o ritmo ficar mais rápido conforme sentia a chegada à montanha.

“É o resultado de dias ininterruptos de espancamentos e mutilações”, disse, mostrando a boca vazia de dentes num sorriso azedo.

A pressa foi diminuindo ao passo que a sombra da montanha crescia sobre eles. Seu humor ácido não deixou passar a oportunidade: existia uma infinidade de itens que poderia se transformar ou simplesmente compactar ainda mais sua forma, para facilitar para Caius. Optou pela ironia de transformar-se em uma bengala, deixando nosso vilão com a tarefa de carregar não uma, mas duas bengalas montanha acima. Seria o fim dessa bela união entre dois ninjas que, mesmo em tão pouco tempo juntos, tinham se dado tão bem.

[...]

Ainda no topo da montanha, seria possível ver, através da luz lunar, o caminho pela encosta. Ao invés de seguir em frente, Caius teria de ir para noroeste, onde encontraria a parte final de suas atribuições.

Após uma caminhada de vinte minutos, mais ou menos, uma carroça puxada por um burro a meio caminho do pós vida. Somente ao se aproximar seria possível ver que, de tanto ter demorado, seguindo pelo caminho longo ao invés de optar pela rapidez, o explorador, um homem em seu trinta anos, de boa aparência, corpo magro e barba rala, dormia abraçado com sua pequena filha, ambos escondidos entre os suprimentos e bagagens da carroça. Caius poderia acordá-los e partir com pressa, esperar a noite virar dia, abandoná-los ali, matá-los, roubá-los. Ele poderia fazer o que desejasse, afinal a escolha era sua. Claro, desnecessário dizer que o objetivo final ainda era cumprir a missão restante.

Considerações:

Assim que deixou Hiruzen, passada a montanha, sua primeira tarefa estava concluída.

O trajeto, de agora em diante, como você havia sido informado anteriormente, seria um longo caminho em arco, que terminaria de volta na vila.

A dupla despertou com o coração aos saltos e o primeiro instinto do pai foi abraçar a filha forte contra o peito, olhando com desconfiança para Caius, que acabara de o golpear na cabeça com uma bengala de textura estranha e que tinha emitido um gemido. Precisou de alguns segundos tanto para despertar quanto para perceber que a figura diante dele era o ninja responsável pela missão. Bateu a poeira das roupas e se levantou, ainda mantendo a filha por perto, acordando também o burro e tirando comida de um saquinho para o alimentar. Começaram a andar, com sua filha ainda próxima. O explorador resmungou: “Como puderam mandar um homem tão insensível?” O comentário sobre sua filha certamente renderia comentários daquele para o quartel da vila.

O caminho era uma estrada rochosa (que novidade!), cercada por pedras irregulares e vegetação rala e seca. O explorador tinha como trabalho conhecer todas as formigas da região e em vários momentos se interromperia, ainda com a filha ao lado, para se agachar rente ao solo, observando com uma luta, tirando um caderno e desenhando uma representação com as características mais marcantes das formigas. Passado um bom tempo e após quatro paradas, uma nuvem de abutres escureceu o céu, descendo rapidamente na direção do grupo. Eram visíveis dez animais e embora não tivesse nenhuma carcaça no ambiente, estavam famintos, agitados batendo suas asas enquanto sobrevoavam na direção da carroça e do burro, que estavam sendo guiado pela mão do explorador. Caius não precisava se preocupar com uma resposta imediata, pois os animais ainda estavam relativamente longe, mas era óbvio que a comitiva seria atacada por estes.

Considerações: