o manto da noite começava a cair sobre a aldeia do redemoinho, como prelúdio para o tempo de descanso merecido que seus moradores ansiavam. taichi, no entanto, experimentava uma agitação desenfreada pelo seu corpo, uma necessidade exorbitante de gastar o máximo de energia que conseguisse. ele sabia que não conseguiria dormir se ficasse em casa naquele estado, pois estava impossível, para ele, ficar sequer dois segundos parado no mesmo lugar. decidiu, portanto, que iria treinar.

trocou sua roupa rapidamente, dobrando cuidadosamente as vestes que costumava usar em casa para vesti-las depois, e cobriu o seu corpo com um conjunto desgastado que faria qualquer transeunte o ver como uma pessoa em situação de rua. ele não se importava, no entanto; taichi estava para além das preocupações estéticas da sociedade, pormenores que ele considerava, no mínimo, supérfluos, para não dizer imbecis. não que taichi saísse por uzushiogakure censurando quem gastava rios de ryous em tecidos e alta costura, mas era fato que ele enxergava destinos mais urgentes para o seu precioso dinheiro – como dangos, por exemplo.  

sua boca salivou com a lembrança do último doce que comera nos dias passados, e prometeu a si mesmo que se recompensaria com algumas guloseimas caso se esforçasse verdadeiramente no treinamento que faria. era aquele um ótimo incentivo, pensou, antes de colocar o chapéu panamá na cabeça, as contas vermelhas no pescoço, e checar o seu visual chinfrim no espelho. um mendigo, com absoluta certeza, disse a si mesmo como um gracejo.

“quer ir comigo?” perguntou o garoto para o minúsculo gato, que estava deitado sobre a única cama do pequeno cômodo como se fosse o dono dos travesseiros e dos lençóis. o felino abriu um dos olhos, encarando o amigo com ar de superioridade – típico daquela criatura presunçosa, tentando decidir se valeria mais a pena ir caminhar ou se entregar completamente à preguiça pelo resto da noite. taichi, no entanto, deu de ombros, incapaz de se estressar com o bichano, e iniciou uma longa série de alongamentos para conseguir aquecer o corpo antes de iniciar a sua curta maratona. esticou os braços para cima, destravando os tendões; dobrou os joelhos, puxando os pés, um de cada vez, para trás em direção ao quadril; tocou o chão com as palmas da mão, sentindo a toda a sua coluna trabalhar, e preparou-se para sair.

“você vai mesmo correr a esta hora?” perguntou tails, cético. taichi não deu importância, respondendo meramente com um sorriso debochado para desafiar o ronronante, gesto suficientemente afrontoso para instigar o gato a se levantar. não iria dar a pata a torcer, mas tails se preocupava muito com o bem-estar do companheiro, e por mais que conhecesse as habilidades de taichi melhor do que ninguém, ele jamais o deixaria sair sozinho naquele momento. “muito bem, vou me exercitar também. tente não me atrasar, por favor,” continuou, o ar de superioridade pincelado em seu bigode.

do lado de fora, eles se preparavam para iniciar o treinamento. correriam por toda vila, forçando a velocidade de seus corpos ao limite, a fim de conseguirem gastar até a última gota de energia guardada em seus organismos. os dois haviam concordado em aproveitar o horário para correr pelas vielas do vilarejo, aproveitando o baixo fluxo de pessoas para conseguirem treinar, também, flexibilidade, manobrabilidade e a agilidade de suas constituições. tails, por ser um felino, era naturalmente mais desenvolvido para aquele tipo de atividade, mas taichi bem sabia de suas limitações e seus pecados no que tange o controle do próprio corpo. seus movimentos deveriam ficar mais leves e precisos, ele bem sabia disso, por isso resolveu que usar as construções da vila como pista de obstáculos seria um bom treinamento não apenas para a sua velocidade, como também para o seu taijutsu – uma arte que, afinal, vai muito além de meros socos e chutes.

contaram até três, e humano e animal dispararam pelas ruas da vila, correndo com tanta garra – em sentido figurado e literal – que as poucas presenças por quem passavam poderiam supor que eram fugitivos em busca da própria liberdade. eles entravam em becos sem diminuir a pressa, pulavam pelos telhados e desviavam de postes, caixotes e gente desavisada, procurando trabalhar cada músculo como forma de melhorar os movimentos em um contexto geral. ficando para trás, taichi aproveitava o seu atraso para estudar os movimentos do seu amigo felino, observando com diligência cada detalhe que seu corpo fazia, para então tentar reproduzi-lo da melhor forma possível. ele sabia que a sua forma humana era incapaz de refletir exatamente cada ação produzida por tails, mas taichi se concentrava para conseguir copiar e adaptar os gestos dentro de suas próprias limitações.

cansado, o shinobi precisou parar antes que seus pulmões explodissem. ofegava profundamente, tentando recuperar o controle da própria respiração enquanto contava a entrada e saía de ar de suas narinas. em seu corpo, percebeu alguns arranhões espalhados entre seus membros, esfoliações aqui e ali como resultado de todas as vezes em que esbarrou ou tropeçou em algum contratempo durante a corrida. lembrou-se vagamente do rosto da senhora que quase havia atropelado minutos antes, e sentiu seu rosto corar como inferência de uma vergonha repentina. por sorte, taichi havia conseguido desviar de última hora, rolando pelo chão e batendo numa parede, mas a sua pressa era tamanha – já que não queria perder para tails – que ele sequer se deu ao trabalho de se desculpar com a velhinha. caso a reencontrasse, iria fazer uma retratação decente, decidiu, logo antes de voltar a correr.