Despertava de um sono profundo, um tanto desnorteada não sabia onde estava, minha visão se manteve turva por um certo tempo; a névoa densa cobria o local, não queria me mover, para falar a verdade não conseguia. Finalmente caía no chão novamente, estava exausta, não sabia o por quê, sequer me importava, apenas deixava a exaustão dominar meu corpo ao seu máximo e me levar ao mundo dos sonhos novamente.
O frio súbito incomodava-me, novamente acordava só que desta vez lúcida, erguia meu corpo com o máximo de força que me restava, não demorou muito e escutei um som, que logo se multiplicou, eram uivos; lobos estavam próximos e sabiam que eu estava ali... eu era sua presa. Por instinto ou apenas por burrice me mantive no local, de alguma forma não sentia medo... sentia fome. O primeiro lobo saltava, ficando frente a frente comigo, seus dentes estavam afiados, o mesmo rosnava constantemente, e então ele saltou em minha direção, esquivava da investida de forma que o caminho lateral ficasse livre, corria para lá sem pensar duas vezes.
Reparava o problema de seguir um caminho sem pensar, não sabia onde estava, não sabia para onde estava indo, a única coisa que sabia é que uma matilha de lobos me seguia incessivelmente, estava cansada mas ainda sim corria, até que escorreguei, meu corpo ficou pairando no ar por alguns segundos, notava as pedras pouco tempo depois do "piso falso" a neblina dificultava minha visão e possivelmente me mataria, meu corpo rolava morro a baixo, senti um pouco de dor mas não tinha arranhão algum. Achava que pelo menos com isso poderia ter despistado os lobos, porém não poderia estar mais errada, dez deles me cercavam, outros quatro vinham por cima - justamente pelo morro que escorregava - a raiva em meus olhos poderia ser mais eficaz se as lágrimas não estivessem escorrendo pelos cantos dos olhos. E então todos saltaram, pude ver seus caninos se aproximarem e então fechei os olhos, aceitava minha morte, afinal precisava de um descanso de qualquer modo.
— Então é assim que você desiste. Escutei uma voz masculina bem próxima à mim, abria os olhos, um homem mascarado de cabelos verdes interceptava os lobos que estavam na parte de cima do morro, duas mulheres frente há ele matavam o resto da matilha, pude escutar o "choro" do último cão assim como seu último suspiro, não falava nada, estava em choque.
— Não sei se foi a melhor decisão salvar essa garota, ela é uma possível sobrevivente do acidente de barco que vimos na costa oeste. A mulher ruiva dizia essas palavras com desdém, não ligava para minha vida, percebia isso pelo tom de sua voz, talvez tomar chá com os seus dois colegas poderia ser mais proveitoso para a moça do que salvar-me.
— Concordo, mas a capitã foi bem clara, Y-san, nós apenas cumprimos suas ordens. Retomava o homem de cabelo verde, o que me impressiona de certa forma já que ele parecia ser o mais carismático até agora, a mulher loira logo se aproximou, não tinha certeza mas poderia ver seu sorriso maléfico por trás daquela mascara decretando minha morte, era chegado o meu fim, assim como os lobos eu morreria.
— Tudo bem, K, Y, vamos levá-la para a vila, só que desacordada, não sabemos seu propósito aqui mas podemos concluir que ela não é uma kunoichi, sequer conseguiu lidar com os lobos, uma completa desastrada, não esqueçam qual é o nosso propósito, K você carrega ela. Queria falar alguma coisa, mas não deu tempo, com um golpe em minha nuca era desacordada mais uma vez, não resistia e tombava em direção ao chão, pude ver antes de perder a consciência o homem me pegar intercedendo a queda ao chão.
[...] Despertava, outra vez, minha boca salivava e não sabia o porque, estava com sede e fome afinal. As únicas coisas que podia ver; a cadeira na qual estava amarrada, as paredes escuras, dando destaque para o chão com piso branco e especialmente a iluminação logo acima da minha cabeça, não havia nenhum sinal de vida, ainda assim pude escutar uma voz "de onde você é criança?" a pergunta era inesperada, fiquei desesperada por um certo tempo, não tinha um resposta, simplesmente não sabia o que responder.
— Por favor... tenho fome... muita fome!. Implorava por comida, enquanto pensava no que responder, minha cabeça estava limpa de memórias a única coisa que tinha como lembrança era acordar naquele terreno oculto pela neblina e o encontro seguinte com aquela pequena equipe, novamente a voz repetia a pergunta "de onde você vem e qual é seu objetivo, não tente mentir para nós criança tola!" dessa vez a voz parecia mais grossa, tinha raiva, não sabia de quê.
— Eu não... eu simplesmente não sei, eu estou implorando por comida, apenas isso, por favor... Eu quero comer. Imediatamente a luz que tinha sobre minha cabeça foi desligada, o quarto ficou totalmente escuro, não tinha visão de nada, mas também não tinha medo, afinal era melhor morrer logo do que morrer de fome. Tempo depois a única porta revelada para mim se abriu, uma luz branca e forte vinha do corredor de fora, ocultando a visão nítida do indivíduo que estava ali "nós criaremos você, a partir de hoje seu nome será Hinami Fueguchi e no esquadrão da morte você se chamará Yotsume" logo o homem de cabelo verde transpassou a porta e adentrou no recinto em que eu estava, pude reconhecê-lo graças a sua voz, a entidade que ficou na porta logo desapareceu e ele disse "você é diferente de uma pessoa comum, esta sala é como um detector de mentiras gigante, e você realmente não sabe de onde vem, outras perguntas seriam inúteis, agora você está sob meu comando mas ainda não posso te considerar como uma irmã de vila, bem vinda à kirigakure, Yotsume-chan".
K, se era esse seu nome, me dava algo para ingerir, tinha um gosto amargo, não conseguia comer, ele se questionava que tipo de comida meu metabolismo iria aceitar, quando teve uma ideia sádica que seria revelado para mim apenas mais tarde, porém no momento a carne que o ganharia saciaria minha fome. Era desamarrada, uma cama no chão, dentro da mesma sala, foi improvisada só para mim, fiquei trancada lá uma noite inteira. No dia seguinte a sala já estava mais iluminada, tinha visão completa sobre ela, a mulher loira adentrava na sala com uma arma em suas mãos "precisamos testar seus limites, pequena Yotsume", fiquei no canto da sala, em pé, ela avançou rápido, pude sentir o corte, os cortes... minha pele ardia, gritar era inútil, ela não parava, eu não conseguia fazê-la parar, X estava tão impressionada quanto eu "você tem um grande poder regenerativo... isso é excelente" a tortura renderia para mim uma nova porta, mesmo sentindo toda aquela dor, nenhuma ferida aparente estava cravada em meu corpo, sequer tinha cicatrizes.
As sessões de tortura se repetiam mais vezes, já perdia a noção de tempo dentro daquela sala, até que finalmente tive coragem para enfrentar X, minha mão foi em direção de seu peito, pude sentir algo sair da parte de trás de minhas costas, segurava a mulher com minha mão esquerda queria matá-la, e então comer sua carne, mas minha atenção era voltada para os tentáculos que podia controlar, talvez esse fosse meu ápice, a tortura que sofria constantemente me dava habilidades, largaria X pelo susto que levava, ela que em momento algum retirou sua mascara desde que a conheci dizia "finalmente, você está pronta para aprender". Quando se fica muito tempo trancafiado, você cria um complexo de solidão, e a única coisa que vale para você é sua vida, nada além, mas para mim era diferente, nem minha vida valia algo para mim.
Depois que as sessões de tortura eram canceladas, era a vez de Y agir, a mulher ruiva viria me visitar regularmente, ela me guiaria pelos conceitos básicos shinobi, a perda de sentimentos mundanos facilitou demasiadamente minha aprendizagem, não fiquei focada - por mais que me perguntasse - em tópicos relacionados à minha família, ou o tal "acidente" na costa oeste que me fizera chegar nessa sala. Y dizia-me que tinha potencial para fazer grandes feitos, a mulher que me pareceu fria - como eu estou agora - em nosso primeiro encontro, seria a pessoa mais gentil do esquadrão da morte.
— Yotsume, a tortura revelou seu poder, agora você pode treiná-lo, não só as técnicas básicas que estou lhe ensinando, você pode evoluir e um dia sair e ser uma Kunoichi... os lobos temerão você e não o contrário. Y me reconfortava, saber que eu tinha potencial para algo inflava um ego que não sabia que tinha, treinei de forma incessável a técnica de clonagem e a técnica de substituição, as duas primeiras técnicas que dominaria após 5 dias de longos treinos. Y esteve comigo durante todo o processo e vez ou outra me alimentava com a mesma carne que K me daria certa vez. Era inteligente, isso eu sabia, mas quando a ruiva me disse que tinha dominado todas as técnicas da academia no menor tempo possível para alguém da minha idade, tive a certeza que meu poder poderia ser absoluto.
Estava começando a gostar do meu quarto, que também era minha sala de treinamento e também um detector de mentiras gigantes, cogitei a ideia de que eles me mantinham ali apenas para saber se eu poderia estar mentindo sobre minhas habilidades, estava viva então era sinal de que eles acreditavam em mim. Era a vez de X me ensinar, a mesma tinha uma grande habilidade com genjutsu, e depois de inúmeras falhas ela e eu entramos em um acordo; eu poderia ser boa em muitas coisas, mas em genjutsu era inapta, a arte de ilusões não seria meu estilo, então foi a vez de K, ele apostava em taijutsu, pois quando reagi ao ataque de X pela primeira vez o mesmo ficou impressionado com os tentáculos que saíam de minhas costas. O desenvolvimento com o taijutsu foi rápido, tinha certa agilidade e força que me comparavam com K, ele tinha seu diferencial, era um mestre elemental, outra coisa que ele me explicaria; as naturezas de chakra e em qual eu tinha mais afinidade, o fuuton era meu elemento, por mais que não o dominasse, isso foi descoberto através de um teste de papel.
— Acorde, Yotsume, veja o que você ganhou. X, Y e K estavam parados ao lado da minha cama, K parecia estar mais focado em olhar as paredes do que eu, Y se mostrava orgulhosa pelo resultado do treinamento, percebia só agora o quanto havia crescido, realmente perderia a noção do tempo naquela sala. X me dava uma bandana com o símbolo da vila e dizia "é hora de sair, pequena genin, você vai nos ver em ação, apenas ver", estava animada admito, mas não com o fato de ver meus torturadores/professores/colegas matarem alguém ou alguma coisa e sim com o fato de que poderia sair. Via a luz no lado de fora da porta e apenas caminhei em sua direção...
CONTINUA...