Logo ao alvorecer, Shion se dedicava a se arrumar com meticulosa atenção. Escolhia, com esmero, um sofisticado terno, o qual combinava harmoniosamente com uma gravata de tonalidade neutra. Para arrematar o conjunto, adornava-se com um volumoso lenço, que adicionava um toque singular à sua indumentária. Delicadamente, borrifava um perfume escolhido a dedo enquanto se mirava no espelho, penteando os cabelos meticulosamente. Seu olhar buscava a aprovação de Katsura, que observava toda a cena reclinada na cama.

“Estou apresentável?”, perguntou ele, com um toque de humor.

“Está mais do que charmoso.” Ela respondeu com um sorriso.

Ajustando mais uma vez a sua imagem no espelho, Shion lançou a si mesmo uma piscadela confiante. Depositou um carinhoso beijo em Katsura e, sem mais delongas, deixou o aconchego do quarto.

No caminho até a sala, ele se deparou com os filhos, seus olhares curiosos questionando silenciosamente para onde se dirigia.

“Papai vai fazer um pouco de filantropia. É importante que ajudemos quem mais precisa.”

Despedindo-se, dessa vez partiu sozinho, adentrando o conforto de sua limusine. Pegou o jornal, abriu-o com um gesto fluido e ditou o destino ao motorista.

“Para o Hospital Hattori, por favor.”

Durante a viagem, Shion dedicava-se à leitura das notícias, parecendo genuinamente agradado com os resultados impressos nas páginas do jornal. Com um semblante sereno e satisfeito, seguia rumo ao hospital localizado no coração da cidade.

Ao chegar ao local, Shion foi calorosamente recebido pelos funcionários. Pacientemente, dedicou algum tempo para ouvir os agradecimentos e as histórias compartilhadas, e quando se sentiu confortável para se aprofundar ainda mais nas dependências do hospital, assim o fez. Distribuía elogios aos colaboradores, congratulava-os pelo excelente trabalho e prometia ainda mais investimentos e aumentos salariais. Este era Shion, o homem de negócios.

Porém, uma mudança notável ocorreu em sua postura ao cruzar as portas da recepção. Seu semblante se tornou sério e ele empunhou o jornal que trazia consigo, avançando pelo corredor. Se cruzava com algum colaborador, fazia um breve aceno de cabeça e prosseguia, determinado. Adentrava profundamente nas entranhas do prédio, parecendo ter um destino específico em mente. Ao chegar a uma porta discreta, que mais lembrava a entrada para uma despensa, lançou um olhar cauteloso ao redor para garantir que ninguém estava observando, e então entrou.

Dentro do que parecia ser um armário de produtos, ele aproximou a mão de um local específico que, para sua surpresa, ativou um display holográfico. Nele, havia um sistema de senha numérica e identificação por retina. Ao concluir o processo de identificação, uma porta se abriu, revelando uma ala secreta no hospital.


Com passos apressados, Shion atravessava um corredor pouco iluminado, até chegar, por fim, a uma porta. Ao abri-la, deparou-se com uma enfermeira cuidando de uma mulher adormecida.

"Bom dia," ele cumprimentou a enfermeira.

"Bom dia, senhor," ela respondeu.

"Como ela está hoje?" indagou Shion, olhando com preocupação para a mulher.

"Na mesma," a enfermeira respondeu.

"Entendo," Shion replicou, a tristeza evidente em seu rosto. A enfermeira, então, se retirou, deixando-o a sós com a mulher. Antes de ela sair, Shion a agradeceu.

Quando finalmente ficaram sozinhos, Shion permaneceu encarando a mulher que, lentamente, abriu os olhos e o fitou diretamente. Ele então dirigiu o olhar a um abajur ao lado da cama da mulher, e em um tom animado, exclamou:

"Sua luz terapêutica chegou, que ótimo. Eu disse que você estava recebendo luz solar," disse ele, com um tom de esperança na voz. Ele continuou a fitá-la, enquanto ela o olhava com uma certa dor em seu olhar. "Eu sei que isso te aborrece," disse ele, aproximando-se da cama e sorrindo ao verificar seus dentes. "Isso é ótimo, estão limpando seus dentes. Eu pago a mais por isso. Precisamos cuidar desses dentes, é muito importante ter um belo sorriso no seu ramo de trabalho, certo? Deixa os clientes felizes, nada como um belo sorriso para eles saberem que você se importa."

Ele então se sentou na lateral da cama, mexendo a cabeça de maneira pensativa, como se estivesse prestes a desabafar.

"Já se passaram quarenta anos, não é, mãe? Mas seu joguinho de enviar sua alma para um receptáculo em outro mundo foi muito bem feito," disse ele, com um sorriso bobo no rosto, como uma criança contando um segredo inocente. "Sabe, por um momento, pensei em deixar você vencer, só para te ver sorrir para mim mais uma vez. Porém..." Ele mostrou o jornal para ela. "Este jornal é de lá. Eles venceram. Tiveram algumas baixas, mas o direito de continuar com o mundo deles ainda é deles."

A mulher reagiu mal à notícia. Uma expressão de raiva pura contorcia seu rosto, e ela emitia grunhidos roucos, como se estivesse tentando falar. Shion, no entanto, delicadamente tocou o rosto dela, numa tentativa de acalmá-la. "Tive uma semana difícil. A readaptação ao voltar para casa... Ah, você tem mais dois netos agora, veja as fotos deles."

Do bolso do seu paletó, Shion retirou algumas fotos e as mostrou a Azshara, que revirou os olhos em desgosto. Ele não se abalou e prosseguiu. "Um amigo meu, que eu pensava estar morto... na verdade, eu o matei... está de volta. Acho que meu coração mole acabou pensando nele quando usei o Cofre do Tempo. Entretanto, as coisas entre nós não estão nada bem, e um belo sorriso não vai ajudar em nada. O complicado é que ele é o único amigo verdadeiro que já tive."

Shion fez uma pausa, como se estivesse refletindo sobre suas palavras. "Parte de mim tem vontade de ir até a casa dele, enfiar o punho no peito dele e arrancar seu coração. Mas, ao mesmo tempo, sinto como se tivesse recuperado um rival, e isso me faz bem. Sabe, a Katsura... nossa Katsura." Ele sorriu, provocando a mulher. "Ela mudou com os anos, eliminou os inimigos, o que acabou deixando o mundo mais chato. Algo dentro de mim anseia por guerra, por conflito. E só de imaginar isso, penso em perder tudo pelo que lutei todos esses anos. Como Daelin dizia, não é sobre chegar lá, mas sim sobre a jornada..."


Ele a encarou, esboçando um sorriso genuinamente sincero. "Você sabia que é a única pessoa em todos os mundos com quem eu posso ser completamente sincero? Você tem noção disso?"

Ela manteve o olhar de desgosto e algo que parecia ser pena, mas ele continuou, pegando uma xícara de água e falando de maneira entusiasmada. "Sabe, aquele cara lá de cima nos deu uma chance única, uma oportunidade rara que poucos teriam, e isso me irrita profundamente." Enquanto falava, tentava dar água para Azshara, mas de maneira tão desajeitada que acabou molhando o rosto dela.

"Droga." Ele exclamou, chateado, procurando um lenço para secar o rosto dela. Enquanto o fazia, Azshara começou a tentar se mexer, mas seu corpo estava completamente incapaz. Estava em um estado vegetativo, apenas emitindo sons aterrorizados e nervosos por ele estar tocando nela. Shion continuou a secar o rosto dela, ficando levemente nervoso.

"Está se agitando demais, não acha?"

Ela começou a se acalmar, mas ainda respirava com dificuldade. Shion voltou para seu lugar inicial, encarando-a novamente. "Você mudaria algo? Você teve uma escolha, já eu? Eu nunca tive. Você garantiu isso e, mesmo assim..." Ele se levantou, abrindo os braços. "Aqui estou eu."

Caminhava ao redor da cama com um olhar frio. "Sabe, todos aqueles anos observando, planejando o melhor momento, dão muito tempo para pensar." Ao se aproximar do soro dela, Azshara soltou um suspiro assustado e nervoso com a proximidade dele. Ele se abaixou, ficando ainda mais próximo, fazendo o coração de Azshara disparar.

"E agora estou retribuindo o favor."

Ele puxou o cobertor que a cobria, revelando seu corpo todo preso por amarras, impedindo qualquer tentativa de fuga ou até mesmo suicídio. Azshara se agitava ainda mais assustada, enquanto Shion pegava algo em uma prateleira ao lado e continuava falando. "Talvez você tenha me feito um favor, sabia? Na minha opinião, quem quer filhos fracos, dá tudo a eles." Ele se virou, segurando uma seringa na mão, aproximando-se dela e prosseguindo. "Mas, se quer que eles sejam fortes, precisa ser rigoroso."

Shion segurou o pulso dela, delicado mas firme, enquanto Azshara começava a emitir sons temerosos, um eco frágil de choro. Com uma serenidade paternal, Shion murmurou sons tranquilizadores, um pedido implícito para ela parar com o barulho.

Cuidadosamente, ele aproximou o pulso dela, enfrentando a resistência fraca que ela oferecia. Ele acariciou o braço dela numa tentativa de acalmá-la, antes de cuidadosamente inserir a agulha na veia delicada. Quando a droga fluía pelo sistema de Azshara, uma sensação de calma gradualmente a envolveu.

"Pronto." Sua voz era um sussurro suave, quase como um encantamento.

Azshara, então, foi lentamente dominada por um estado de estase, seus olhos vidrados refletindo a escuridão do abismo em que ela estava mergulhando. Shion, observando a transformação, segurou a mão esquerda dela entre as suas, um gesto de ternura que contrastava com a dureza de sua expressão.

Em um momento de confissão rara, ele começou a falar, sua voz preenchendo o silêncio opressivo do quarto.

"Sabe de uma coisa, mãe?" Havia um toque de amargura em suas palavras. "Eu teria te dado o mundo, teria feito de tudo para te satisfazer, se você tivesse me desejado, mesmo que por um instante."

Ele continuou a olhar para ela, estudando o rosto dela enquanto Azshara se perdia em seu próprio mundo. Seus olhos, uma vez tão cheios de vida, agora estavam vazios e longínquos. Havia uma pitada de pena em seu olhar. Com a delicadeza de um amante, ele se inclinou para frente e plantou um beijo na testa dela.

"Até semana que vem, mãe."

Seu adeus foi breve e sem cerimônias. Ele deixou o quarto silenciosamente, abandonando o que restava de Azshara para trás, à mercê do vazio que agora a consumia.