A manha veio pálida e os feixes entraram pelas nesgas das venezianas. Acordei num solavanco, desperto de um sonho comumente erótico. Não tardei em me aprontar; larguei a trouxa de roupas num canto afastado, tomei um curto banho quente, vesti-me de acordo e tranquei a porta ao sair. Célere, esgueirei-me pelas ruelas da vila, evitando contatos físicos e visuais com o populacho local.

Por fim, irrompi as portas duplas do gabinete. A senhora que sempre me atendia parecia estar de cama hoje - o que eu pensaria em fazer, se não fosse extremamente necessário minha presença naquele dia. A substituta erguei uma sobrancelha, perscrutando-me de cima a baixo. Os olhos de jade espreitados por um segundo garantiram-lhe uma ideia errônea de meu ser. Apesar de estar nos andrajos de costume, movia-me com traquejo. Por tanto, retribui-a com um sorriso acalorado, espremido nos cantos com um toque mordaz. Não deixei de perceber uma veia subir em sua têmpora, antes de pegar o papel branquiço que me entregava e guardá-lo no bolso. Assim, saí do gabinete com a celeridade em que entrei.

Sempre tive certa afinidade com animais, fossem dóceis fossem amuados. A missão do dia era simplesmente a busca e o retorno seguro de um felino afável, mas atrevido - o que explicava seu sumiço. Debrucei-me sobre parapeitos de janelas nas vielas, ato que não me arrependo, já que julgara-me um tanto atrevido, curioso como um gato. Debrucei-me sobre uma grosa de cercas de madeira antiga que ladeavam o vilarejo, em busca do animal perdido, até que, no entardecer, encontrei o devido fugitivo; estava aninhado à dois gatos pálidos e encardidos. A cena trouxe um lampejo em minha mente: O filho da puta só queria transar. Engoli um riso repentino e me aproximei com calma do animal, agarrando com o par de mãos nuas. Não houve dificuldade, era dócil. Feito isso, dirigi-me ao gabinete novamente antes que o sol se punha. Recebi minha recompensa e fui direto para casa, como uma criança sob os cuidados dos pais, mas eu não tinha pais. Toda a sorte de revistas adultas era o que eu teria ao chegar. Fascinante!


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Shizuka era uma garota atarefada e esforçada, além de possuir um rosto esmero e detalhado, como uma verdadeira donzela. Entretanto, sua burrice levou um de seus hobbies ao descaso, e a minha paz à ruína. Eu não queria cuidar de uma floricultura moribunda e abandonada. Infelizmente, querer não é poder, e foram exatamente estas palavras que ouvi da senhora que me atendeu no gabinete. A missão designada tinha uma recompensa razoável, embora o trabalho maçante me aborrecesse e tiraria uma de minhas horas livres de leitura avançada de revistas espetaculares que recebi de um homem grisalho e mascarado em uma das minhas viagens ao centro da vila.

Primeiro bati duas vezes com o nó dos dedos na porta de madeira, depois dei-me conta de que ninguém me atenderia. Resolvi reler o papel que me deram e notei uma informação que passara despercebido: havia uma chave sob o tapete da entrada. Agachei-me e recolhi a pequena chave prateada. Engatei-a na fechadura e girei a maçaneta. Enfim, dentro. Suspirei ao rolar os olhos pelo estabelecimento mofado que recendia à inúmeras combinações de flores; azaleias, margaridas, rosas e bocas-de-lobo. Inspirei novamente o perfume que inundava o local, trespassando minhas vias nasais até também, inundar o meu ser. Incrivelmente, dei um sorriso nos cantos da boca. Tirei um vaso com uma azálea que ocupava a cadeira detrás da escrivaninha principal, e me sentei. As janelas opacas davam a visão perfeita para a rua em frente à loja. Fiquei lá por algum tempo, vendo pessoas transpassarem a viela dos dois lados, até me dar conta de que esquecia algo: ninguém saberia que estava aberto se eu não o fizesse. Girei a placa atrás do vidro da porta, vislumbrando o escrito "Fechado", enquanto do lado de fora veriam "Aberto". Com certeza viriam, afinal, o doce e acre aroma das flores se alastraria pela rua à frente, já que tratei de deixar a porta semi-aberta, apenas uma nesga, para deixar escapar o cheiro.

Ninguém veio. E foi assim que passei meu primeiro dia de uma onzena inteira. É claro que nos seguintes obtive clientes e até trovei donzelas, mas isto não vem ao caso então descarto da história. No décimo primeiro dia, fechei a loja, recoloquei a chave sob o tapete e me dirigi ao gabinete, onde recebi minha recompensa e caminhei a esmo, procurando algum lugar para me divertir no cair do crepúsculo. Solitário e ébrio, uma combinação quase perfeita.

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Spoiler:

Eu estava de pé em fronte à entrada do hospital assim que o sol se pôs completamente. A entrada vetusto era feita de uma porta dupla de vidro fosco, enquanto o lugar se reforçava com madeira e pedra antiga, lisa e pálida. Passei pelas portas duplas e me dirigi à recepção, trespassando um corredor ladeado de outras portas de salas que se encontravam por todo o lugar.

Fui atendido por uma mulher de rosto emaciado, com esmero e de batom vermelho. Não pude deixar de notar - e quando o fiz, franzi as sobrancelhas - que possuía um par de brincos em formato de lágrima, verdes como jade. Por um deslize, quase perdi a compostura. Trocamos algumas palavras, comigo tenso quase todo o tempo e ela com ar ressabiado.

As duas missões que peguei no gabinete da vila anteriormente permitiriam que me movesse para o mesmo lugar afim de completá-las. Seriam uma busca para vários ingredientes, um para uma pílula de soldado, outro para um um tipo experimental de panaceia. Aninhei uma sacola de viagens ao corpo, prendi a capa no pescoço com uma linha curta e parti. O manto esvoaçou às costas, verde como esmeralda fosca.

Irrompi uma densa floresta, subi do sopé de uma montanha até seu cume e trespassei regatos em lugares duvidosos, mas perigosos. Perdi horas procurando uma única flor em um emaranhado enorme em um campo florido. Lânguido, estatelei as palmas das mãos no chão arenoso e me sentei. O sol sorrateiramente ia se escondendo por detrás das nuvens, dando início ao crepúsculo. Arrumei um lugar próximo à uma árvore escarpada, enorme, e lá deitei. Nos sonhos, tudo passou célere.

Novo dia, novas buscas. Enfiei-me em uma enrascada com animais silvestres, quase caí de um penedo tentando obter um resquício de algo que parecia ser um ingrediente de uma nesga da pedra cinzenta, quase me afoguei em um regato tentando pescar peixes raros para a panaceia e no final deste novo dia, pus-me de novo a sentir a exaustão me inundar o corpo. Estava sozinho, e se algo desse errado, dificilmente viriam me buscar. Assim que a noite se instalara, fritei dois peixes que pesquei, numa fogueira que acendi com uma pederneira de viagem. Havia obtido todos os materiais necessários, mas não poderia regressar à vila naquela noite. Adormeci, absorto em pensamentos fúteis sobre mulheres e comida, enquanto o frio noturno me atingiu de leve nos pés e pescoço, enquanto o restante do corpo estava sob um cobertor de lã quentinho.

A manhã veio e eu parti. Levei todos os ingredientes adquiridos na viagem para o hospital, onde vários deles seriam entregues ao laboratório. A ninja encarregada de produzir as pílulas de soldado se surpreendeu com a eficácia da busca e qualidade dos materiais, me parabenizando por isto. Em seguida, fui até o gabinete recolher minha recompensa.

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