A Partida

|Ação de Harumi - ON|

A noite predominava dentro de Konohagakure. Na calada da noite, no silêncio das telhas e das construções de madeira. Eu havia escolhido aquele período.. Justamente por saber que não haveriam rostos a serem assimilados, a serem lidos. Eu não queria me lembrar das pessoas que eu havia vivido a vida inteira observando.. Eu não queria que elas estivessem ali, vendo que eu estava fazendo aquilo. Eu não queria ter a última lembrança de despedida deles. Talvez, de ninguém. Havia ido para a minha pequena casa e pegado o suficiente para fazer aquilo. Pelo menos suficiente para que eu tivesse como sobreviver lá fora. Eu passei a minha vida em Konoha. A sensação de me aproximar do portão me dava um calafrio de tremular o meu espinhal a um nível de intensidade que eu não poderia sequer descrever. Acompanhada apenas da minha mochila, com algumas mudas de roupas e todos os meus equipamentos que eu havia recolhido até então. Não havia deixado nada suficientemente importante para trás. Apenas lembranças do orfanato, das pessoas com quem compartilhei a minha infância.. E das memórias recentes que eu havia recolhido. A cada passo que eu colocava para frente, meu coração acelerava. Não havia esboço de alegria ou felicidade em mim. Eu estava indo embora da minha vila natal. Sob os contos dos mais velhos, os ninjas que abandonavam as suas vilas eram considerados desonrados e maculados para sempre aos olhos do povo. Eram caçados até que estivessem mortos pelas suas antigas aldeias. Não era dado ao traidor nenhuma chance de justificativa, razão. Todos que não estavam aptos a erguer a bandana do vilarejo eram insurgentes sem perdão. Mas.. Será que todos eram iguais? Será que todos ansiavam pelo poder e tão abomináveis como os contos costumavam dizer? Será que todos eram monstros? E todos os não-desertores eram heróis? Eu.. Não conseguia mais distinguir do certo e do errado. Talvez as coisas não fossem tão explícitas como eles costumavam dizer.

“Pai.” A única memória que vinha na minha mente ao recitar aquela palavra na minha boca era a de um homem. Talvez de cabelos vermelhos, parecidos com o meu. Eu nunca tive certeza. Todas as outras crianças de Konoha sabiam como eram a aparência dos pais delas. Mas eu não. Tudo o que eu tive foram descrições físicas das cuidadoras de um homem alto me entregando. Por muito tempo eu considerei aquilo tão injusto. Era injusto eu ser a única que não sabia de fato nem como ele era. Enquanto todas as outras podiam toca-los, podiam abraça-los.. Eu sempre não pude. E ninguém podia julgar a falta de um abraço. Mesmo que todas as outras crianças do orfanato também não tinham seus pais na maioria dos casos.. Elas encontraram um conforto. Mas eu não consegui.. Achar o meu lugar no mundo. Não sem eles. Por mais que eu tentasse achar alguma evidência deles, algo que pudesse me dizer se estavam vivos ou mortos.. Eu não achava. Konoha não me dava as respostas que eu precisava. Nunca me deram as respostas que eu pedia sobre eles. Nunca me deram ao menos um direcionamento do que havia acontecido com eles.. Nunca foi dito. E durante todos esses anos eu esperei. Pacientemente. Sempre vivendo nas sombras de Konoha. Sempre silenciosa. Até agora. O portão se tornava cada vez maior na minha frente, há poucos metros até.

“Me perdoem.” Fechava os meus olhos porquanto caminhava. Tentava não chorar. Estava me segurando para não chorar. Não iria chorar. “Ainda não sou a Kunoichi que vocês precisam.. Ainda não sou suficientemente capaz de defender vocês.” Era mentiroso quem dissesse que não se guardava laços com a própria vila. Eu amava Konohagakure. Eu nunca havia visto outro lugar aonde as pessoas eram tão incríveis quanto Konoha. Mas eu não podia deixar de notar as suas falhas. E do quão ela impedia que eu fosse atrás dos meus pais. Quanto mais eu estava nela, mais eu me sentia presa e acorrentada. Konoha não me permitiria procurá-los. Eu era uma Gennin. Quanto mais eles quisessem me ver apenas como uma ninja ao seus serviços, mais eu me afastava da possibilidade de saber o que aconteceu com eles. Mais incapaz de ir atrás deles. Eu tinha que partir. Eu tinha que.. Meus pés cruzaram o portão. E meu coração desabou bem naquela hora. Eu continuei a caminhar, me guiando pelas luzes que rodeavam os arredores da vila. De cabeça baixa. Pensativa sobre isso. Pensativa sobre tudo. “Eu preciso procurar eles.. Eu preciso saber se eles ainda estão vivos."



“Eles.. Todos eles ficarão bem.” Pensava em cada um que havia conhecido e meu coração acelerado só parecia aumentar de tamanho a cada impulso. Eu aos poucos andava pela estrada, me distanciando o suficientemente de Konoha para enfim.. Poder chorar. Poder desabafar o que eu estava sentindo. Aquele sufoco que tomava o meu ser. Não queria que ninguém me visse chorar. Não queria que alguém tivesse pena de mim. “Eu vou atrás de vocês dois.. E vou saber como vocês estão. E nenhum deles pode me impedir.” Meu punho se fechou enquanto eu ininterruptamente limpava as lágrimas para que disfarçasse. Meus passos se moldaram para o horizonte. Para uma direção que eu saísse de Konoha e pudesse finalmente ir atrás da minha família.
 
 

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A partida

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Eu maquiava o meu choro aos poucos enquanto saía de Konohagakure. Já havia atingido cerca de vinte a vinte cinco metros de distância do portão a essa altura. Não havia mais porque chorar. As lágrimas em si já haviam sido dispersadas aos poucos com o avanço. Sob o avanço do luar eu me movimentava na estrada que dava acesso ao portão. Carregando bastante remorso de partir, mas não suficientemente necessária para que pesasse sob o fardo de ficar. Eu olhava para o horizonte em busca de respostas. Mal havia saído da minha vila natal e já pensava aonde eu poderia ir. Não era riquíssima de recursos e teria que pensar alguma maneira de sobreviver sob o mundo afora. Meus pensamentos estavam imersos.. Em possibilidades distantes. “Espero que eles ainda existam.. Em algum canto, em alguma aldeia.. Ou algo que faça-os voltar.” Meus passos continuaram por mais uma dezena até que eu me perdesse na imensidão do céu.. E notasse uma aproximação sorrateira de um.. Cão. Dentre todas as possibilidades de interferência que eu pensei que poderiam surgir, incluindo guardas e adendos ao portão, nunca pensei que diante de mim, naquela madrugada silenciosa, poderia aparecer um cachorro. Decerto isso me desconcertou bastante..

Sua pelagem branca se destacava em meio a um ambiente ausente de lucidez. Estava longe de ser pequeno. Era intimidador até. Notei as cicatrizes em seu rosto e confirmei a minha análise. Havia ouvido falar substancialmente sobre ninjas que usavam animais em combate e cogitei a possibilidade. Mas também não deixei de considerar que não fosse um Henge no Jutsu de um superior por algum motivo. Porém.. Eu me surpreendia bastante quando da boca dele, ao invés de um rosnado se formava uma pergunta sobre aonde eu estava indo.. Fazendo com que eu me desconstruísse. “Ele.. Ele é capaz de falar..?!” Meu rosto se consternou numa autêntica surpresa. Mesmo assim, não deixava de considerar a possibilidade do Henge. Mesmo surpresa, não podia me deixar estar distraída o bastante para que ficasse alvejada por um possível inimigo.

– Embora. -- Encarava a figura canina com ardor nos olhos por causa da vermelhidão do choro anterior, mas moldava a minha voz num tom que não parecesse oscilar e nem muito menos transparecer. – Konoha não é mais o meu lugar. Eu não vou conseguir achar quem eu preciso estando aqui. -- Era estranho se comunicar com um cão e estando naquela situação eu imaginava que já pudesse estar dentro de um Genjutsu tal qual a raridade de um acontecimento como esse. Imaginava que o cão pudesse ser um dos conhecidos Ninken’s e por não ter ciência da sua verdadeira força eu meio que mantinha a distância considerada. – Você deveria retornar para o seu dono. Está tarde. -- Geralmente eu era afável com animais, especialmente os mais pequenos, mas por se tratar de uma provável interferência dentro do meu percurso, eu continha a minha afabilidade e tentava ser o mais séria possível. Por estar considerando que era um adversário, não baixava a guarda. – Peço que me deixe ir. Não gostaria.. Não, nunca atacaria um ninja de Konoha. -- Ou um animal, como aparentemente era o caso que se tratava. Dependendo da resposta do Ninken eu teria que tomar uma ação. Ofensiva ou amigável. No entanto, ficar pluralmente nula não era uma opção.

 

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