Fortalecida

| Estação: Verão | Clima: 37ºC | Hora: 13h40 |

Local: Centro Médico de Kumogakure no Sato

Os primeiros registros de Annika na Vila Oculta da Nuvem vieram das anotações do médico que a recebeu desmaiada. De acordo com essas notas, Annika foi carregada pela enfermaria dormindo, sem chorar ou reclamar com seu corpo e roupas manchados de sangue. Pequenas marcas e cortes pelos braços e no ombro. O médico ficou chocado quando percebeu que ela não respondia às perguntas por não possuir capacidade de falar, mas sendo capaz de se comunicar através da linguagem de sinais. Quando o exame detalhado começou, a garota recusou-se a ser analisada, sendo necessária a presença de uma mulher para examinar o corpo da jovem.
Através da observação direta foi possível constatar que as marcas eram provavelmente graças a abusos e violência física, sim, mas era necessário entrar em mais detalhes para compor o laudo médico com todas as informações possíveis e assim tratar tudo que pudesse estar deixando enfermo o jovem corpo. A menina foi despida e com as pernas para o alto, bem abertas, a médica examinou-a com toques delicados e suaves, colhendo amostras do material genético que havia na região. Era uma mulher e sabia como aquele tipo de procedimento podia ser constrangedor ou ainda doloroso para o paciente, pois algumas vezes ela mesma era submetida aquilo, mesmo que apenas em exames de rotina. Tudo que foi colhido e enviado para análise retornou horas mais tarde, após a menina ser dispensada e colocada sob análise na ala de internação infantil.
Com os resultados em mãos, era chegada a hora de fazer o que a profissional temia: avaliar as informações encontradas. No papel que lhe foi entregue, dizia haver sido fornecido material genético de mais de dez homens diferentes, e ainda resquícios do que poderia pertencer a outros, mas já não poderia ser avaliado por estar em estágio avançado de existência fora do corpo de origem. Doía muito receber tudo aquilo, sabendo que a vítima era uma pequena criança inocente e que deveria ter sido protegida e amada. Não hesitou em escrever pessoalmente o encaminhamento da pequena a um competente psicólogo infantil. O corpo frágil estava sendo tratado e se recuperando bem no momento, e mesmo conhecendo pouco a respeito da mente humana, tinha consciência de que coisas como aquela poderia causar efeitos devastadores a qualquer um.
As demais análises ao corpo de Annika foram realizadas sem maiores problemas. As coletas de sangue foram feitas periodicamente por alguns dias e ela não demonstrou nenhum tipo de aversão aos procedimentos médicos a que foi submetida. Os especializados na fala ficaram impressionados pela capacidade de comunicação que a menina apresentava, falando muito bem através da linguagem das mãos, movendo-as com perfeição, e pedindo apenas que pudesse ser levada aos ensinamentos ninja.
Ela não havia morrido ou mesmo sido enfraquecida por tudo que passou, apenas fortificada.

Estudada

| Estação: Inverno | Clima: 25ºC | Hora: 15h00 |

Local: A casa de Annika em Kumogakure no Sato.

No descanso eterno de sua morte em vida, Annika postava-se sobre livros e mais livros na sala de sua casa. Sim, livros, pois o que afia a mente são estes objetos muitas vezes pesados não só pelo conteúdo físico, carregados de sabedoria, tal como uma pedra afia uma faca. Ela, apesar de ser limitada em comunicar-se, tinha plenas capacidades intelectuais, sabia ler e escrever muito bem graças a gama variada de pessoas que conheceu durante a infância; Todos buscavam a bênção de Deus. Seu interesse pessoal havia tornado-se selos de mão. Sendo ela muito experiente em linguagem de sinais, possivelmente o desafio nesse quesito não seria um desafio a ser vencido, apenas uma habilidade a ser dominada. Por isso lia aquele livro e buscava informações sobre toda a gama existente desses manejos. Havia ali muita informação teórica, também bastantes exemplos práticos desenhados nas folhas já amarelados por todo o tempo que passara em uma prateleira qualquer da biblioteca de Kumo, passando despercebido a tantos outros que já visitaram o local antes da menina; Ela, porém, notou a inscrição na lombada do livro e se interessou pelo título. Como serva de Jashin, não poderia jamais estagnar, mas apenas evoluir, afinal parar com suas contribuições significaria ingratidão e, além disso, a perda da eternidade que poderia passar em vida pelas preces oferecidas ao Deus.
As mãos dela acompanhavam as demonstrações gravadas nas folhas grossas, e não eram necessários muitos movimentos para torná-los corretos. Os anos de experiência na linguagem das mãos a permitia tal feito. Antes de passar para o outro selo, ela lia toda a história e o porquê da nomenclatura. As explicações do mundo prático eram de grande interesse para Annika, a menos que contrariasse seu patrono, é claro. Todos os selos tinham um nome, e se precisasse responder o que mais gostou fora o do tigre. Ela sabia bem que aquele seria muito utilizado em técnicas do seu elemento natural primário, o fogo, por isso sentiu-se satisfeita em ter uma naturalidade em exercê-lo rapidamente e com maestria. Na Academia Ninja, não aprendiam tanto quanto estava conseguindo com aquela leitura, com selos considerados misteriosos ou restritos a algum tipo de técnica pouco usual. Alguns sequer tinham nome.
Além do conhecimento básico sobre cada um dos sinais, ela deveria saber conduzir as sequencias rapidamente, por isso repetiu sem nenhuma ordem definida todos eles várias vezes, até ter uma fluidez razoável naquilo. O tempo todo sentiu uma agitação dentro de si, sendo esta uma reação natural de seu chakra aos selos formados elas mãos, já que seria essa a manifestação corpórea da energia que há dentro de cada ser, direcionada a um propósito. Nas primeiras vezes ela ainda olhava para o livro, apenas para garantir que sua representação estava sendo fiel ao que via nas folhas. Depois de apenas 5 vezes não olhava para baixo, onde estava colocado o livro, aberto no chão bem a sua frente. Seguia sua memória e reproduzia sem mais dificuldades o que já sabia muito bem. Repetiu apenas algumas vezes: tigre, cavalo, boi, rato, coelho, cobra. Seus olhos estavam fixos na parede branca de sua sala, com uma janela fechada no centro, um pouco acima de onde seu olhar pairava, Quando se deu por si, repetia aquilo pela décima terceira vez e percebeu que não havia mais necessidade. Não tratava-se de um prodígio, certamente Annika não era esse tipo de pessoa. Ela era apenas alguém muito acostumada a mover as mãos, e por isso naturalmente fazia os movimentos com perfeição, entretanto com velocidade apenas razoável.
Não estava cansada, mas seu impulso de não levantar dali e adormecer no chão mesmo era forte demais para ser controlado. Caiu para trás encolhendo-se para dormir, o que aconteceu antes mesmo que ela pudesse contar até dez. Uma noite de muitos pesadelos com lembranças do passado a esperava naquele sono, isso era inevitável, ela dificilmente superaria anos daquilo tão rapidamente. Todo o conhecimento a fazia esquecer por alguns momentos, e era grata à Nuvem por isso; proporcionava-a momentos de distração. Em seus sonhos, tigre, cavalo, boi, rato, coelho, cobra...

CAÇADORA

| Estação: Primavera | Clima: 29ºC | Hora: 13h41 |

Local: Arredores de Kumo

Ah, como ela queria saborear a carne daquele pequeno coelho! Mas sabia que Jashin-sama não ficaria satisfeito em saber que ela estava sujando suas mãos com sangue de uma criatura tão insignificante. Era um pequeno e inofensivo coelho branco, ou lebre, ela não sabia a diferença. O pequeno animal andava distraído e rapidamente notou a presença ameaçadora da garota, que emanava energia de morte. Por algum motivo, a necessidade de comer o animal e sentir o sangue quente entre seus dedos era imperiosa. O cheiro e o sabor deixavam-na inebriada, apenas de imaginar... mas ela não poderia perder muito mais tempo, pois estava distante de seus companheiros; Annika estava em missão pelos arredores de Kumo, realizando uma patrulha externa próxima dos portões da vila, e portanto ninguém poderia ver aquela sua atitude incomum.
Para alcançar o pequeno ela deveria correr tão rapidamente quanto ele, que estava acostumado a ser perseguido por toda a sorte de predadores que também viviam por ali. Quando o encontrasse, teria seu pequeno banquete, um luxo ao qual ela se daria mesmo sabendo que seu grande mestre repudiaria seu ato, e apenas faria por também saber que não era uma desaprovação tão grande, por ser na verdade um ato insignificante. Naquele dia Annika vestia um colete e a bandana do vilarejo presa a seu pescoço. Antes de correr atrás do pequeno animal, olhou ao redor para certificar-se de não estar sendo vista ou levantar alarmes falsos sobre alguma possível ameaça nas redondezas. Sacou uma das kunais que carregava consigo e com ela agarrada à palma da mão direita, seguiu na direção do saltitante.
Por um momento sentiu dificuldade em decidir qual direção seguiria, além de não estar habituada ao ambiente externo da vila e nem ser uma grande rastreadora. Para tanto ela utilizou-se do simples raciocínio lógico e foi por onde as folhas pareciam estar remexidas. Correu, correu e correu, o animal estava a pelo menos cinco minutos em vantagem dela. Suando, ela encontrou-o, mas para captura-lo em definitivo não queria assusta-lo ou perde-lo de vista novamente atirando a kunai, pois havia a possibilidade de errar o alvo. Pensando melhor, decidiu que não usaria sequer a ferramenta para abri-lo: o faria com as mãos. Ele estava bem ali, entre algumas folhas da vegetação rasteira, entretanto a cor de sua pelagem não permitia que ele se escondesse tão facilmente, afinal era totalmente branco, e seus olhos, vermelhos. A pequena boca fazia movimentos repetitivos, como se mastigasse alguma coisa. O mais silenciosamente possível, Annika postou-se em posição de largada para conseguir ser tão veloz quanto pudesse. Ela era naquele momento uma predadora, enlouquecida pela oportunidade de agarrar sua presa, e queria saborear a sensação de conseguir abatê-la. Como se sua vida dependesse aquilo – como se ela tivesse uma vida, oh, Jashin-sama! –, saltou e capturou sua presa no ato.
Agachada, tinha sangue escorrendo pelo pescoço, mas tomou cuidado para não manchar sua roupa. Devorou vorazmente as entranhas do animal, sem culpa, sem remorso, sem nenhuma preocupação além da vontade de obter aquela sensação de prazer obtido pelo paladar ao saborear a carne.