Percebi a graça de Kaname mesmo há vinte metros distante, em meio ao formigueiro de pessoas que as ruas do centro de Konoha se tornavam próximo ao meio dia. Acenei com todo ânimo que a presença da garota trazia, talvez fizesse dois meses desde a última vez que trocamos palavras. - Estou indo ao campo de treinamento agora. Quer me acompanhar? Conveidei-a depois do cumprimento íntimo e matador de saudade.

Nos atualizamos da vida um do outro através do percurso lento até o campo de treino. Tagarelei sobre meu ciclo repetitivo e corrido de missões pela Folha e da minha promoção dentro da hierarquia militar. Recebi dela os parabéns mais sinceros até aquele momento, estavam encharcados de felicidade genuina e preocupação bem motivada. Crescer militarmente é aumentar o perigo a sua volta. Para ela que tinha a vida aprisionada longe das capacidades de um ninja, fadada ao ordinário do ser humano, era difícil entender o caminho sangrento do mundo shinobi.

Kaname acomodou-se com a energia de uma criança prestes a entrar em um parque de diversão. Deixei ao lado dela os tecidos de cima das minhas vestes, não fariam nada além de atrapalhar no treino. - Devo dizer que o que vou treinar hoje é fruto da nossa linguagem de treinamento. Comentei em meio a movimentos estranhos de alongamento, alguns engraçados, todos desafiadores aos músculos de alguém normal. - Há poucas coisas mais benéficas em um combate que a aleatoriedade controlada por um ninja com habilidades de curta distância. Percebi uma gota de indignação escorrer pelos traços do seu rosto, levada pela observação certeira que sempre acontecia quando explicava algo à menina. Sorri antes mesmo do que vinha.  - Mas isso é óbvio! Por isso eu tive o trabalho de criar os sinais. Aumentei a curva dos lábios e a encarei com o olhar de "pois então observe, insolente".

Disparei a série de movimentos no mesmo instante em que o aquecimento acabou. Não houve piedade contra os bonecos de treino, atingi-os com força, precisão e agilidade. Cabeças voaram, madeira estilhaçou e novamente o ciclo de destruição do campo de treinamento de Konoha acontecia, distante de quem pudesse se incomodar. Os golpes ainda estavam bastante previsíveis, seja por puro sarcasmo ou pela curiosidade parecida com a minha que ela tinha, Kaname acompanhava meus movimentos narrando-os através da linguagem de sinais com as mãos que havia desenvolvido, tão útil em nossos treinos. Olhei-a desafiadoramente e sumi no ar em meio a um giro. Pelo menos na percepção dela.

Abusei dos músculos em velocidade máxima para impressioná-la e me juntar ao sarcasmo da situação, é claro. Mas também houve uma mudança inegável nos movimentos à partir dali, se os bonecos fossem oponentes eles sentiriam e lamentariam. Kaname por outro lado, abriu um sorriso tão largo que por um momento o passo quase vacilou. Suas mãos tentaram prever alguns movimentos mas logo caíram sobre o colo, incapazes de saber o que se passava. Através da grama, do ar, do vento e da madeira, desloquei-me como uma borboleta em busca de acasalamento; como o ritmo das formigas em defesa do formigueiro; como os pensamentos de um maluco no alto de suas alucinações: imprevisível, ilegível, incapaz de ser acompanhado por quem não fizesse parte daquele mundo.  

Ora os socos induziam um padrão e logo em seguida quebravam-no completamente ao atingir longe de onde a probabilidade dizia atingir, ora os chutes buscavam ângulos desconhecidos e teoricamente inalcançáveis, o corpo girava no ar e cancelava o giro ao mesmo tempo, golpeando inesperadamente com o cotovelo. Despenquei ao chão logo após encerrar com um chute transformado em soco no último segundo. A garota levantou irradiando energia e mergulhou na grama ao meu lado. - Isso foi lindo, Ecanis! Incontestavelmente lindo!

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