A casa estava devastada. Meias sujas jogadas pelo chão, cuecas usadas dos dois lados — mais de uma vez — estavam espalhadas por cima dos móveis, e o banheiro tinha todas as outras peças de roupa caídas por todos os cantos. A poeira cobria os móveis, que já não eram muitos: apenas uma estante, um sofá e uma mesa de centro, onde ele fazia as refeições, quando fazia.

Depois de receber sua primeira recompensa como militar a serviço do vilarejo, Kaen sentiu o poder do dinheiro correr pelas veias. O poder que vem do dinheiro, que o permitiu viver por alguns dias apenas à base de doces, refrigerante e muito, mas muito chiclete. Como todo jovem que não vivia sob a supervisão de qualquer responsável, ele não tinha qualquer disciplina para organizar o espaço em que vivia, sozinho, e sem se preocupar em seguir qualquer rotina, nem mesmo se alimentar como uma pessoa normal — seu vício não permitia, incontrolável àquela altura.

O lugar começava, verdadeiramente, a cheirar mal, com a louça suja, os sacos de lixo que se acumulavam e as roupas esperando para serem levadas à lavanderia. Mal iluminado, sem ventilação, parecia uma prisão, mas ele estava perfeitamente confortável vivendo ali, livremente e sem nenhuma responsabilidade. Contudo, a cada dia sua preocupação aumentava um pouco, pois sabia que o dinheiro era pouco e não daria para muito tempo, mas nada que o levasse a se mover do sofá, sem nem mesmo pensar em tomar banho.

Numa bela manhã, ele levantou-se do móvel de feltro velho e encardido, cambaleando. Era quase tarde, e ele procurava por alguma refeição que pudesse saciar sua fome — nem lembrava quando tinha sido sua última refeição decente nos dias anteriores. Foi quando abriu a geladeira antiga que figurava como único aparelho que funcionava na sua cozinha, e na casa inteira, a bem da verdade, que ele se deparou com o inevitável, postas as suas atitudes depois de ter recebido seu pagamento: não tinha comida.

Ficou nervoso; sabia que precisava sair para comprar alguma refeição rápida, barata e que saciasse o vazio na sua barriga, roncando alto como um cão velho. Correu até a sala, acendeu a lâmpada meio pendurada que pendia do teto arruinado e tateou pelas superfícies visíveis que encontrou, saltando as roupas sujas jogadas por todo canto, mas não encontrou nada. Nem uma moeda, nem uma nota de dinheiro velho que pudesse ter ficado esquecida em qualquer lugar.

Sentiu um verdadeiro desespero ao se dar conta do que tinha acontecido: passara dias jogando com os outros garotos num fliperama qualquer, comendo doces e balas, e agora seu dinheiro tinha acabado. O que faria? Mal se lembrava do caminho até a lavanderia, mas sabia que precisava estar apresentável para voltar às missões. Para ele, um bom banho deveria bastar, escovar os dentes e alinhar os cabelos. Onde estaria sua touca? Revirou um amontoado de roupas que estava no caminho até o banheiro para encontrá-la, mas não estava em condições de colocar aquilo na própria cabeça, de tão encardido. Ele precisava dar um jeito naquilo, mas não era a hora.

Naquele instante, o que ele poderia fazer era apenas tentar encontrar as roupas menos sujas e tentar parecer um pouco mais aplicado do que vinha sendo. Tomou seu banho de asseio com uma massa de sabonetes em barra que vinham derretendo e se juntando aos restos de outros vários havia muito tempo, e usou a mesma espuma para lavar o cabelo, o rosto e todo o corpo. Saindo da água morna do chuveiro, nem secou o corpo, já que nem tinha toalha para isso, mas vestiu-se e saiu. Precisava continuar sua jornada e era hora de realizar mais missões.

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