48 DG - Para você a dois mil anos...

Um borrão... Nada mais que um intenso borrão, não ter memórias sobre si mesmo é algo estranho, talvez até mesmo vergonhoso pelo fato de ao passar dos anos notar que o quadro apenas piora, sua infância foi boa, a lembrança das tardes deitado à ponta do desfiladeiro observando o formato que as nuvens faziam ao passar no céu lhe é bastante clara, porém alguns momentos, específicos e estranhamente familiares apesar de abstratos em sua mente, era mais capaz de sentir o que supostamente sentira no vestígio de memória do que exatamente lembrar com que sentença finalizou um diálogo, fato era que desde que se entende por gente detém vestígios de sua consciência ocultados, como se em seus pensamentos a conversa que tivera junto a um professor a alguns anos atrás, não tivera seu fim decretado, esse é um dos exemplos de seus vestígios neurais, estranho para as pessoas comuns, mas nada de mais para aqueles que compartilhavam o mesmo sobrenome que o seu.

Sobrenome esse que dele e da maior parte de seus compatriotas fora retirado, Yurai deu lugar a Haise, nome da casa de refugiados por qual fora adotado logo em seus primeiros anos de vida, pelo menos é isso que contam os envolvidos, nunca fora capaz de acreditar fielmente nisso, mas não tendo lembranças de épocas anteriores a sua vida ali ficava difícil contestar. As pessoas ao seu redor nunca pareceram convidativas a interações, independente da situação desconfiança era algo comum e passível de se proceder, motivos jamais foram expressos ou revelados dando ao rapaz a ideia de unicamente não ser muito bom para relações interpessoais, não ligava tanto para a opinião alheia mesmo ainda bastante jovem, a falta de amigos lhe tirara a necessidade de sorrir, conversar e brincar, livros e pergaminhos surrados pertencentes á biblioteca do abrigo se tornaram sua única companhia, o conteúdo desses os mais diversos, indo desde histórias fantasiosas até conceitos básicos sobre o mundo shinobi e a utilização do chakra, o tempo passava e as outras crianças órfãs deixavam o ressinto ao serem adotadas, Akari por outro lado dificilmente era escolhido para ser apresentado às famílias e quando isso acontecia por algum motivo logo era descartado, indiferente pouco se abalava por já estar acostumado com o ocorrido e também para ele o mundo podia chegar ao fim desde que detivesse junto a si os livros que tanto apreciava.  

Foi a partir da leitura que se interessara pela vida militar, ao completar 12 anos de idade deixara o abrigo nos arredores do país da pedra para iniciar os estudos voltados ao ninshu, seu novo lar Iwagakure o recebeu de braços abertos ao deparar com um herdeiro da linha Yurai, pela primeira vez em sua vida seu sobrenome de nascença não trouxera problemas para si ou afastara pessoas, chegara até mesmo a se sentir disputado, seja lá o que planejavam aqueles homens de vida agitada da cidade grande lhe deram uma casa e possibilidade de ascender a um genuíno ninja da pedra. Os estudos então iniciaram, comparado a linguagem de época confusa e maçante dos livros e pergaminhos do abrigo o conteúdo teórico ensinado na academia estava longe de ser um desafio, e as tarefas físicas lhe auxiliavam e muito na melhoria de suas capacidades, por mais que não fosse dono de uma motivação arrebatadora vinha aos poucos se interessando cada vez mais pelo o que lhe era ensinado, até mesmo apresentara talento natural para uma das disciplinas base do ninshu, o genjutsu. O tutor que o instruía junto a seus colegas de classe era um homem de fato brilhante, comunicativo, habilidoso e acima de tudo não demonstrava aversão a existência de Akari sempre disposto a ensiná-lo e responder suas infinitas dúvidas; pelo menos era isso que o rapaz imaginava, meio a notícia de sua demissão o sensei até então adorado e respeitado principalmente por Haise revelara sua faceta, durante uma tentativa do ainda órfão de vincular-se ao professor mesmo após a quebra de sua relação com a academia, um baque. — Desista, você não tem talento seu demônio.  — As palavras lançadas a ti machucaram, pela primeira vez em sua vida sentira dentro de seu peito o aperto de todo um sentimento sendo esmagado e descartado ao lixo, seu olhar desviara do semblante de desprezo do ex-tutor, por mais impactante que tivera sido ainda assim não lhe soava como algo novo, talvez já tivera sido chamado dessa forma antes em algum momento de sua vida que fora esquecido por ti, mas fato era que dessa vez sentira profundamente muito por conta da pessoa que lhe respondera daquela forma, amargurado despertara naquela ocasião a habilidade nativa dos membros do clã Yurai, ainda dentro da sala de aula seus olhos pigmentavam-se em um rosado reluzente em destaque junto as lágrimas que escorriam em meio ao rosto enfurecido, não dissera uma única palavra ao homem que apenas o encarava um tanto recuado devido a mudança repentina notada no estudante, os passos do rapaz rumaram a porta daquele local de imediato sendo cessados apenas para que um aviso fosse dado, quebrando o breve silêncio. — Não me diga o que fazer, demônios não seguem ordens. — Desde aquele dia então as coisas passaram de modo mais devagar, Haise que aos poucos evoluia começando a se soltar, retrocedera de uma única vez a estaca zero passando a ser alguém ainda mais fechado e recluso que antes, não de maneira passiva mas emanando de si um intenso negativismo e revolta mesmo em seu olhar.

Seus dias ainda como estudante se tornaram uma afronta as palavras do ex-comandante, iniciara uma série de faltas propositais em suas aulas comparecendo apenas em dias de avaliação, avançara em questão de pontuação por duas vezes ainda que fora retido no último ano pelo excesso de faltas, entretanto sua insistência lhe rendera um momento de "glória", em sua terceira aplicação de faltas excessivas fora promovido a genin mesmo após o ano letivo cheio de furos, as notas entretanto continuavam no ápice, o próprio diretor não viu escolha a não ser formá-lo e assim se procedeu.

Mais um ano de recesso viria por ai, dias e mais dias de cara enfiada aos livros na biblioteca da vila, não fazia isso por foco ou desejo próprio de aprender, só se tornará a única coisa que aprendera a fazer nas horas vagas que agora não eram poucas já que jamais exercera a profissão militar, até então. Em uma tarde onde finalizava mais um dia de leitura, ouvirá um súbito grito de socorro encoando ao centro, tão estridente e agudo que não restava duvidas ser de uma mulher, o mais estranho era que ninguém parecia ter escutado o mesmo, pois fora ti o único a reagir perante o som, sem entender muito bem apenas ignorou e se dirigiu para sua casa localizada mais afastada do centro, no dia seguinte ouviu em um velho rádio a notícia do assassinato de uma mulher na tarde de ontem na região central, porém não fora essa parte que lhe surpreenderá, avançando um pouco mais nos fatos da notícia a apresentadora trajada formalmente confirmara com todas as letras que o ocorrido se procedera exatamente às 15h, entretanto Akari escutara o pedido de socorro próximo às 16h30, uma hipótese das mais loucas surgirá a sua mente, teria sido aquele o grito da mulher recém assassinada? Ou melhor, de sua alma a lamentar? Parecia impossível, até mesmo idiota, mas não era... Desde então Akari passou a escutar vozes a dialogar, lamentar e até mesmo gritar, sua interação com os emissores dessas vozes era mínima sequer chegando a enxergar esses, pelo menos não sem seu Yūreigan que era ocasionalmente ativado, ao utiliza-lo conseguia visualizar alguns vultos e vez ou outra figuras cadavericas ao andar pela vila, de início era estranho mas logo passou a se acostumar.

Movido pela vontade de saber mais sobre o seu poder e origens, finalmente considerou iniciar sua vida militar, levantaria fundos e aperfeiçoaria seu controle sob o doujutsu dos Yurai para se aventurar em busca de respostas, saberia de uma vez por todas quem foram seus ancestrais e qual a relação de sua habilidade ocular com o sobrenatural, nem que para isso fosse necessário afundar a própria nação que o acolheu, talvez esses até pudessem lhe ajudar ou quem sabe até tenham lá seu dedo de participação quanto a isso, fato era que demônios assim como não cumprem ordens também não confiam em ninguém.