A Vontade da Nuvem, também conhecida como a Vontade dos Céus ou simplesmente como Força, é um ideal recorrente entre os ninjas do País do Relâmpago; alguns dizem ter nascido de uma jovem guerreira que morreu em combate defendendo o país. É um ideal enraizado numa crença ancestral que diz que o amor é a chave para a paz. Ela viria a ser a filosofia de vida de centenas de milhares de guerreiros que eram escolhidos por esta sobrepujante força do bem e que carregavam os seus valores como seu próprio patrimônio espiritual; a Vontade dos Céus diz que todo verdadeiro guerreiro da Nuvem deve amar, acreditar, valorizar e lutar pelo bem da aldeia, assim como haviam feito as gerações antes deles. É isso que dá aos shinobi do País do Relâmpago a força para continuar lutando contra todas as adversidades, construindo a força de vontade e um forte caráter que defende a paz. Simboliza, também, as esperanças e sonhos da geração anterior que estão sendo transmitidos para a próxima; então quando um pai morre, por exemplo, todas as suas esperanças e sonhos são transmitidos para aqueles que foram tocados por seu descanso. Entretanto, como todo tipo de crença e de filosofia, um indivíduo pode ser mais profundamente tocado pela Força do que outro, e esta dessemelhança pode profundamente impactar o coração e a energia viva – o chakra – de uma pessoa. Um herdeiro da Vontade Celestial, ou ainda sensitivo à Força, são títulos que são atribuídos a qualquer organismo vivo que tenha sido harmonizado com a misteriosa energia da Vontade da Nuvem. É dito que o mais forte sinal de que um shinobi foi abençoado com a Força é o domínio quase que instintivo sobre as cinco principais naturezas de chakra; a lógica que guia esta crença é a de que a Força é uma energia presente em todas as coisas, emitida por todas as coisas e que permeia todos os lugares. Através da maestria de todas as naturezas um guerreiro da Nuvem poderá se unir com esta energia imperscrutável e realmente começar a entender o que significa ser um discípulo dos céus.
– Dentro dos limites do País do Relâmpago... – Alardeava a voz ébria de um marinheiro andarilho pelos quatro cantos daquela bodega malfadada, aparentemente entretendo todos os seis ou sete ouvintes que mantinham seus olhos e ouvidos de sobressalto para com aquele que lhes falava. Não se vestiam com graciosidade e não pareciam se importar com mais nada que não fosse líquido, fermentado e dentro de uma caneca. Eram pessoas comuns, como se poderia presumir. – Existe uma família que possui esse dom, pelo que soube. – Forçou uma pausa desnecessária e que tolhia a paciência de metade dos frequentadores locais na tentativa de criar um ambiente de suspense. Contudo, de pedaço em pedaço, ele parecia realmente conseguir deixar os homens e as mulheres ali ansiosos pelo que viria após mais um de seus goles gananciosos em sua caneca de madeira. O intervalo foi o suficiente para virar algumas cabeças em sua direção, se rendendo ao pequeno ato teatral ilegalmente vociferado. – A tal... Força, que dizem. – Não pausou desta vez, mas foi brevemente interrompido pelo pigarro desdenhoso de um lenhador, em um dos cantos escuros da taverna. Ignorou-o por enquanto, vendo que os demais pareciam aumentar sua atenção ao ouvirem certa palavra específica. – Pelo que eu entendi, se você agrada... essa tal Força... ela fica com você e com os seus descendentes. – Muitos ali franziram o cenho, entreolhando-se incertos de como se sentiam. “Seria possível que o beberrão não estivesse apenas brincando?”, pareciam pensar. – E então, como eu tinha dito, falam por aí que tem uma família que consegue manter essa religião em seu sangue há muito tempo. – Pausou pois não aguentava mais ficar sem beber. O fez. Uma jovem ruiva, com um longo vestido batido, apoiou-se no balcão para poder ver o rosto de seu interlocutor. Antes que alguém contestasse sua história, continuou: – Sim, sim. Se eu me lembro, o nome deles é... Como era? Saru–
Kabooom. Uma explosão reluzente iluminava a noite cansada e enviava o pequeno estabelecimento pelos ares numa dança de chamas ardentes.
Ajoelhei-me para mais perto de um dos corpos que estavam no chão. Na verdade, vários deles repousavam no sono eterno sobre aquelas planícies congeladas; alguns deles pertenciam a outrora saqueadores e assassinos, e outros dos cadáveres pertenciam a uma casta muito mais nobre e que de jeito algum deveria estar ali. – Concentre-se. – Orientou-me a voz polida de meu mestre, que ouvi de trás de onde eu estava. Tomando suas palavras como leis que guiavam as minhas ações, fiz o meu melhor para não desapontá-lo agora. Estendi a palma de minha mão esquerda, gentilmente fazendo com que ela flutuasse sobre o rosto e o torso daquela vítima. Enquanto o fazia, me esforcei ao máximo para ignorar tudo que estava ao meu redor, como éramos treinados para fazer; o frio lancinante, os ventos impiedosos, as minhas incertezas e tudo que me rodeasse além do meu objetivo. Cerrei meus dentes, intensificando meus esforços e desprezando a ideia de decepcionar Haseo, que me supervisionava nesta missão.
Thump. Golpeei a superfície de gelo com a mão antes estendida, ciente de que havia falhado mais uma vez. Mesmo após todos os treinos, minha sensitividade à força ainda parecia escondida em algum lugar dentro de mim que parecia inalcançável. Agora sentado no chão, olhando para qualquer lugar que não seja o corpo em que falhei identificar, odiava-me por não conseguir, como costumeiramente fazia. Também costumeiro era o sentimento caloroso que a mão de meu mestre em meu ombro manifestava, consolando a minha falha. – Está tudo bem, jovem aluno. Você está se desenvolvendo rápido. Eu é que estou pedindo demais de você. – Entoou a voz mais sábia, mantendo seu tom sempre cordial e respeitoso que eu tanto gostaria de ter. Agora, meus olhos seguiam o andejar de meu tutor; caminhava em torno do corpo com calma e com olhos conspícuos. Segurou a sua mão, indubitavelmente gelada e sem vida, e isso foi o suficiente para que ele soubesse. Não me disse nada, limitando-se a olhar para mim com um olhar paterno, preocupado. Expirei profundamente pelo nariz, lamentando mais uma perda. Estava claro que não sabíamos o que fazer.
Nos dias em que se seguiram, notei que meus treinamentos haviam aumentado em ritmo e intensidade. Os golpes de meu mestre estavam mais fortes, suas mãos e seus pés mais rápidos e, seu chakra, mais violento. Mesmo sendo coroado com o despretensioso título de prodígio por alguns dos membros de meu clã, me lembro que esta pomposa palavra não me ajudava tanto quanto deveria a não ser derrotado vez após vez pelo homem de cabelos negros. Parte de mim, a parte que o via como um pai, pensava que ele estava preocupado com o meu bem estar diante da situação hermética em que nos encontrávamos, e por isso desejava me refinar como um guerreiro o quanto antes. Enquanto isto, outra parte de mim, a parte que me via como um guerreiro sujeito a vontade da Força, pensava que o Conselho havia intensificado seus esforços em preparar seus aprendizes para uma situação adversa iminente. Era difícil ter certeza de qual dos lados de mim estava certo, então me contentava em pensar que meus superiores estavam fazendo aquilo que podiam para manter o equilíbrio, algo que, finalmente, era verdade em ambos os casos. – Seu âmago está dividido. – Constatava meu mestre logo após a primeira vez que nossos sabres de treino se tocaram naquela manhã, pegando-me de surpresa com um ataque que saiu de sua língua ao invés de seus punhos: A verdade. Lembro-me que me mantive em silêncio, incerto de como deveria respondê-lo – ou se deveria o responder, de quaisquer formas. Contudo, meu mestre era um homem sábio, e deve ter interpretado meu silêncio ou o meu semblante como uma resposta satisfatória para sua asseveração. Trocamos mais alguns golpes. – Não se preocupe com o Conselho, nem com o futuro e nem comigo. Qual deve ser a única preocupação de um guerreiro da Força? – Interpelou-me, mantendo seus ataques incessantes enquanto eu me esforçava para me manter inteiro. – A Vontade dos Céus. – Mantive minhas palavras curtas e minha resposta breve, para não perder o fôlego e ser derrotado tão rapidamente. Ele deu um intervalo em suas investidas, e passamos a andar num movimento circular, normalmente para estudar as movimentações um do outro. – Seja um com ela. Busque-a e ela nunca lhe deixará desamparado. – Estas palavras suas foram fortes. Tão fortes que nunca me esqueci delas, e provavelmente nunca me esquecerei; esta era a maior verdade que guiava a minha vida, como eu descobriria mais tarde, e eu nunca deixaria que isto saísse de mim.
[...]
Assentado sobre os grandes parapeitos de mármore, virado para a saída do palácio, aguardava irrequieto a presença de meu mestre. A corte do Conselho é o corpo governante da ordem da Força, e suas decisões, embora isto não ocasionalmente acontecesse, guiavam os shinobi que seguissem a Vontade do Relâmpago. Era composta, tradicionalmente, pelos mais estudiosos e experientes no caminho dos céus. Esta reunião, em particular, havia pegado todos de espavento pela urgência com que tinha sido programada; alguns oficiais da corte foram pessoalmente convocar os membros vigentes da ordem para que estivessem presentes ali sob a justificativa de que novas informações meritórias haviam chego aos ouvidos da corte. E eu, por ser o aluno dos seus componentes, aguardava a conclusão daquele evento importante. Finalmente, ao que pareceram ser horas de espera, vi ambas as portas de madeira escurecida abrir para a saída de meu mestre, aproveitando a oportunidade para espiar meio segundo dos grandes corredores restritos antes que as portas se fechassem. Por baixo de sua barba e de seus olhos verdes, ele carregava uma discreta preocupação, que se alardeava também por seus passos levemente acelerados. Olhou para mim apenas uma vez, e eu entendi o convite para segui-lo; assim o fiz. – A situação é sensível. – Disse-me antes que eu pudesse perguntar alguma coisa. Agora, descíamos as grandes escadarias do palácio. – Uma grande ameaça se aproxima. Antes eram apenas os iniciados na Força que estavam sendo caçados, mas descobrimos o cadáver de um dos oficiais agora. – Minha pulsação acelerou com sua última frase. Um dos guerreiros mais fortes da ordem havia sido assassinado? – Não posso revelar muito, Enmei, mas nós vamos partir o quanto antes. – Alertava a voz preocupada. – Para onde nós vamos? – Prontamente perguntei, ainda tentando compreender a real dimensão da situação. – Para o vilarejo oculto. Sua mãe ainda mora lá? – Busquei conter meu contentamento, ciente de que a situação era séria. – S-Sim, mestre. Espero que sim. – Concluímos, agora nos sopés do grande vale que compunha o palácio do conselho. – Muito bem. Prepare suas coisas. Partimos em uma hora. Encontre-me na saída leste, eu providenciarei o transporte. – Rapidamente prescreveu, recebendo de mim uma afirmação com a cabeça e rápidos passos para cumprir sua designação.
[...]
E foi assim que cheguei até aqui. O vilarejo oculto pelas nuvens; um lugar de grande importância, especialmente para aqueles que trilham o caminho da Força. Com o passar do tempo, minha atitude outrora rebelde parecia estar finalmente amadurecendo. Minha mãe diz que é por causa da convivência com outras crianças da minha idade, não desperdiçando nenhuma oportunidade para despreocupadamente e discretamente criticar o funcionamento dos treinamentos rigorosos da Ordem. Já Haseo diz que, por eu ter sido graduado como Genin com uma idade muito mais avançada do que os outros – devido aos anos em treinamento isolado –, eu não seria visto como um prodígio por estes lados e teria de batalhar por aquilo que eu quisesse ter, e que a humildade vinda disto estava me aprimorando como um shinobi. Mas eu sentia algo diferente, algo muito mais circunspecto do que as tentativas de humor de minha mãe e de meu mestre. Algo que eu só pude mencionar durante uma noite, enquanto acampávamos na floresta, eu e Haseo, durante uma missão. – Eu tenho sentido algo ultimamente. – Segredei em baixa voz, quase que estivesse falando comigo mesmo. Meus olhos estavam baixos, olhando para a fogueira crepitante. Mas, mesmo assim, pude ver a cabeça de meu mestre se virando para mim, curioso e preocupado. – É como se... Independente do quão feliz eu esteja, sinto uma sempre presente preocupação. – Fraseei da melhor maneira que pude, anelando os olhos de ametista de meu mestre que pareciam sorrir diante de meu lampejo. – Como se fosse um... – Ele mesmo começou, sem dúvidas me instigando a algo. E deu certo, pois eu sabia exatamente o que dizer a seguir: – Um distúrbio na Força. – Disse, sério e impetuoso enquanto fitava seus olhos; vi um de seus raros sorrisos sinceros assim que ouviu minhas últimas palavras. – Agora se lembra do seu treinamento? Ou você aprende a dominar este sentimento ou... – Novamente um jogo de completar a frase. – Ou eu me esforço para colocar a Vontade dos Céus em equilíbrio. – Minha resposta foi o suficiente para manter seu sorriso pairando em seu rosto por mais alguns segundos. Parecia que minha conexão com a energia da vida estava ficando mais forte. Era como se eu pudesse fazer qualquer coisa que eu almejasse fazer. Neste momento, eu havia encontrado meu verdadeiro objetivo, como se estivesse escondido atrás de nuvens nubladas; eu traria o equilíbrio para a Força e a paz para o continente. Era estranho como a maior das realizações não vinha a mim em uma luta espalhafatosa ou num momento de vida ou morte, mas sim numa fogueira aconchegante com um homem que era como um pai para mim.