Certas manhãs lhe fazem refletir valores e conceitos, um toque de sol no rosto entre as nuvens de formas e volumes disformes inconstantes como o destino que guia nossos passos. A chuva de ontem parece cada vez mais distante, permanece de seus sinais o cheiro de orvalho na grama e alegria palpável nas folhas e flores que nos cercam.
Há tempo não retorno em casa, tempo, não vejo essas nuvens que nos representam mas, como a boa filha à casa torna, após meus passeios entre vilas e ilhas, entre saltinhos breves de pedra em pedra evitando o solo molhado por ali, encontro-me a porta de meu lar, onde reside minha querida responsável. Não legal, que a vida reservara.
Apoio minhas costas sobre a porta de madeira, mirando o horizonte com meus olhos enquanto meu cabelo negro, preso em um rabo de cavalo, recai sobre meus ombros dançando suavemente sobre a brisa fria. Esfrego minhas mãos uma contra a outra buscando espantar o toque gélido comum por aqui, enquanto aguardo vislumbrando a face gentil envolta por fios loiros de Rose como um sol para os carentes.
Por razões de seu trabalho, conheço o fato de sua não estadia em sua residência, me incomoda um pouco suas chegadas pela manhã e o risco que isso pode representar, entretanto, sei que a mesma pode defender-se, não sendo uma mulher fraca por sua trajetória e escolha de fonte de renda. Respeito isso e de certa forma, entendo, desejaria desfrutar também de certos impulsos se outros não me fossem mais presentes.
Pouco tempo se passa até que a espera finda-se, ao longe minha estrela mãe revela-se entre folhagens da afastada residência nos montes menos chamativos, afastada casa dos logradouros mais comuns da Nuvem. Dispersa em primeiro instante, logo alerta-se para minha presença, seus olhos como um lago banhado pelo sol brilha e seus passos guiam-se até mim velozes.
Sempre peguei-me impressionada por sua velocidade, como se fosse apenas errado a mesma não aproveitá-la, isto sem relatas sua resistência física para executá-la ainda após uma longa noite em claro. Um abraço apertado, tão caloroso que mal posso sentir o toque gélido da ponta de seu nariz contra meu pescoço. Me afasto pegando suas mãos, frias pelo vento da caminhada e sorrio com alguns saltinhos empolgada.
- Estava com saudades Rose, não faz ideia.Como antes e ainda diferente, seus olhos brilhavam ameaçando o declinar do lado em cascata, mas, parecia segura seu pranto em um longo suspiro enquanto terminava de compreender os sinais que eu fazia. Erguia suas mãos deslizando alguns fios soltos de minha franja os guiando até minha orelha, abrindo a porta em seguida e estendendo a mão para que eu prosseguisse para dentro.
- Vamos entre, hoje está realmente frio.Gostava de como sua voz soava, era doce e mansa. Transmitia uma sensação de acolhimento, tranquilidade. Me sentava em uma grande almofada que estava por ali, me aconchegando e observando enquanto a mesma fazia um café e esquentava alguns biscoitos recheados com queijo. Era notável as marcas de sono em sua face, seus olhos estavam a caminho de um certa ninja arenoso que encontrava-se em outra das vilas, ainda assim sua áurea materna era inegável.
- Como foi a viagem, consegue me ultrapassar agora?Suas palavras conectam uma certa lembrança em minha mente, como uma luz escondida sobre um manto retirado. Havia mesmo algo assim, antes de partir eu disse para ela que quando retornasse ela não acompanharia mais meus passos. Isso porque, eu sempre fui rápida, inegável, mas nunca consegui ultrapassá-la.
Não frustrava-me por isso entretanto, era mais uma certa admiração que eu possuía por Rose e em vista tal, uma vontade de ultrapassá-la fluía em mim quando pensava a respeito. Além disso, também queria orgulhá-la e fortalecer sua convicção que eu podia crescer verdadeiramente como ninja na vila rochosa em que habitamos. Seus olhos voltavam-se a mim da cozinha, esperando minha silenciosa resposta em sinais.
- O que acha?Um sorriso carregado de arrogância me escapava, sendo verdade ou não, tinha o ímpeto de confiar em minhas próprias habilidades. Não demoraria muito após o desafio a estarmos nós ao lado de fora, sentindo a toque úmido do vento matinal de Kumogakure em nossos cabelos e confrontando o horizonte em nossa frente. Devidamente alimentadas após o café da manhã era hora de mostrar melhoras em minha performance.
- No fim do vale possui uma árvore que dá frutos essa época do ano, quem pegar um primeiro, vence. Simples, não?Dizia a mesma confiante tocando o solo com a ponta de seus pés, mas de certa forma, parecia não ser confiante em si mas em meu desempenho. Não podia desapontá-la. Preparo-me respirando de maneira mais profunda por um instante, sentindo o ambiente e antecipando qual rota tomaria.
- Valendo!A rota que seguiríamos, muito mais que um teste de velocidade puro era uma prova de agilidade e versatilidade de corrida em desnível. Pela encosta de uma zona afastada, em um caminho onde era possível ver ao longe o oceano dançando conforme o ritmo da brisa refletindo o sol erguendo-se, beijando-se e despedindo-se da água cálida.
Corría, seguindo ambas suas rotas e melhores passos que julgávamos nos levar de forma mais veloz até aquela árvore. Sinto o peso de minhas pernas em minhas passadas, após a longa jornada em retorno para vila da nuvem. Minhas panturrilhas estremecem em cada impacto, minhas coxas contraem-se e meus cabelos esvoaçam conforme meu fôlego escapa aos poucos.
Meus olhos captam ao distante, em outro percurso Rose correndo um pouco a minha frente, trazendo meus impulsos a flor da pele. Preciso passá-la. Esse pensamento ecoa em minha mente enquanto acelero o ritmo, entre saltos e deslizes entre os rochedos, aproveita a brecha final da minha rota sendo algo mais próximo de uma reta que as demais adversidades do percurso.
Como uma nova arrancada impulsiono-me, meus olhos brilham, minha pele soa deixando uma gota deslizar por entre minha face até minhas orelhas me arrepiando de leve. Ao fim do paredão a minha direita, ao mesmo tempo eu e minha pseudo mãe saímos, sinto o frenesi da mesma.
Para ganhar preciso de uma atitude. Esse pensamento me corre quando a vejo, sinto que em um último fôlego perderei. A árvore dos frutos é alta, de larga copa, quatro metros até o centro, três até os frutos acima de mim. Impulsiono-me pisando sobre uma pedra saltando, erguendo usando de toda minha flexibilidade erguendo a ponta de meus pés em um grande salto por detrás de um fruto em medida desesperada.
Um toque e a fruta cai sobre minhas mãos interrompendo o avanço de Rose incrédula, caindo ao solo, retiro uma risada da mesma, diferente dos sorrisos de antes, uma natural e alegre. Espontânea. Enquanto a mesma caminhava à minha frente realizando uma reverência.
- Uau, estou impressionada! Não só seus passos estão rápidos, sua decisão também está afiada.Os elogios dela sempre tinham um peso diferente, não eram poucos os que ouvia, mas, em maioria, não passavam de murmúrios superficiais sobre coisas as quais eu não queria ouvir. Não era assim com ela, de fato, eram coisas que a impressionam ou carregam consigo uma sinceridade gostosa de perceber. Natural apenas.
- Eu te disse… dizia rindo lisonjeada, jogando a fruta para a mesma e me apoiando em uma pedra …
a visão daqui, é sempre de tirar o fôlego… Realmente eu gostava dali, o sol alaranjado ao longe brandia por entre as folhagens do local iluminando nossas peles alvas. Não era daquele local, aquele tom enfatizava isso, entretanto, também compreendia pouco de minhas raízes. A própria Rose não parecia dali, possuinte de uma beleza diferente das demais damas.
- Ainda é algo surpreendente olhar para você… Dizia a mesa guardando a fruta em um bolso de sua vestimenta
… Você é parecida com ele… seu pai...Era raro conversarmos a respeito daquilo, de fato, talvez nunca tenhamos nem entrado no assunto a fundo. Parecia diferente naquele dia, como se a mesma considerasse que era a hora de certa de me contar um pouco sobre minha nublada história.
- Você sabe? Seu irmão, filho da minha amiga de longa data, eu te disse uma vez que de fato ele era seu irmão e… Dizia ela enrolando uma mecha de seus cachos dourados olhando para a árvore balançando com o vento
… apesar de você não compreender, aceitou o que eu disse. Ela, sua tia, não estava completamente equivocada em acreditar que você era minha filha. Eu conheci seu pai, diferente das demais eu não me envolvi sentimentalmente e sequer tive filhos oriundos dessa relação.Meus olhos vagavam perdidos acompanhando os passos inquietos da jovem mulher caminhando pelo recinto enquanto divagava em sua história, surpreendia-me de fato com a estranha relação, ela dormia com meu pai, mas não era minha mãe? Além disso, outras também tiveram filhos? Quem?
- Sua mãe era uma mulher mais velha que eu, tinha se apaixonado, acreditou em algo que não existia entre eles. E então, ele simplesmente desapareceu sem deixar rastro em algum momento… um sopro fúnebre lhe escapava, como se segurasse o choro .
.. quando você nasceu, ela viu o mesmo que eu. Seus lábios, seus olhos, lembravam de mais os deles. Ela não conseguiu olhar para você… e então, te abandonou… Aconteceu de eu te encontrar, não foi planejado, o acaso nos juntou e acabou que no fim, aquele homem também me deu uma filha que eu pude amar.A mesma aproximava-se de mim acariciando meu rosto e depois passando a mão em minha cabeça de leve, apenas correndo os dedos pela forma presa, tirando a fruta de seu bolso, já sorrindo e dando uma mordida grande na mesma.
- Está verde… Dizia a mesma em gargalhada, tirando a mesma reação de mim
… Vamos garota, quero uma revanche de volta até em casa.Como fomos, por entre as rochas íngremes, agora em processo de subida corremos agora mais livres, explorando saltos velozes entre as colinas sentindo o vento em meu cabelo. Era mais diversão que disputa o retorno, ainda assim, nenhuma de nós desejaria perder em uma corrida, era nossas marcas sermos rápidas. Além disso, aquela vitória com ela cansada não me satisfazia.
Ambas fora da melhor forma, na melhor condição possível para a execução de um treino, quando exaustas. Sentia o suor, quente e frio pelo meu corpo, dores musculares mais palpáveis e ofegantes, o peso dos impactos contra o solo em nossos tendões avançando de rocha em rocha em um misto de parkour e alpinismo.
Como um salto veloz ao fim da corrida, ambas em último gás, emergimos do vale para aquele local onde a mesma mora, nossos olhos vibrantes, nossas peles suadas e nossos pulmões agitados, ofegantes. Corríamos a reta onde truques não me ajudariam, sentindo as passadas largas apropriadas para tal ato.
Um toque sutil como o trombar de um elefante na porta de ambas, abre-a com violência enquanto os sorrisos em meio ao cansaço reassumem, com nossas mãos buscando onde apoiar e o corpo cai ao chão gelado resfriando nossos corpos quentes de todas atividades.
- Foi um bom treino, da próxima não pego leve com você…- Acredito, leve neh...Eu sabia que era verdade, que fora um alívio da mesma que permitia minha vitória naquele momento, mas, não assumiria isso tão fácil. Caso fosse seu desejo empenhar-se, sua seria a vitória, mas, não era, era minha. Abraçaria esse sentimento sem deixar ele escapar por trivialidades.
Mura Lilith