Era tarde na Vila da Areia. O sol, depois de esquentar as ruas durante horas enfim se punha, dando lugar à lua e ao frio que agora começavam a preencher o ambiente. Comerciantes desmontavam suas barracas e guardavam suas mercadorias, enquanto as crianças desfaziam seus grupos para voltarem, um por um, para seus pais. Com exceção dos ninjas que patrulhavam a Vila, todas as pessoas começavam a se recolher em seus lares, afinal, em cada indivíduo há a necessidade indubitável de dormir... Exceto para Azuka. Pelo menos, é o que a menina dizia para si mesma. "Humph... como se eu precisasse ir para casa agora. Eu nem estou com sono." - Murmurava, enquanto caminhava para cada vez mais longe de sua casa. Contemplar o seu comportamento rebelde estava finalmente preenchendo o tédio que tivera o dia todo. Agora que não estava mais na academia, não havia muita coisa para fazer durante o dia, logo, a garota decidiu explorar a noite.


Com os dedos entrelaçados atrás das costas e a cabeça empinada, Azuka andava à procura de algo para fazer. Qualquer coisa serviria, desde que não estivesse relacionado a voltar para casa. De repente, foi surpreendida ao notar que não era a única pessoa que decidiu virar a noite: a alguns metros de distância, iluminados por uma pequena luz de vela e os poucos feixes brancos que escapavam da lua encoberta por nuvens, havia um grupo de homens reunidos ao redor de um caixote. Estes pareciam estar jogando um jogo de dados. Sentindo-se desafiada por não ser a única pessoa que permanecia acordada, aproximou-se deles. "E-ei, olha lá! Uma garota!" - sussurrou um dos homens, ao avista-la. Os três começaram a rir baixinho enquanto o do meio direcionava o seu olhar para ela. - "Se interessou pelo jogo, menina?" - perguntou. Azuka desviou seu olhar, elevando sua cabeça. "Humph... É claro que não. Eu nunca me interessaria por um jogo idiota desses." - respondeu. O homem deu um sorriso e voltou a jogar os dados. "Realmente, não é um jogo para menininhas." - concluiu. A última sentença deu uma pontada na nuca de Azuka, que imediatamente virou-se mais uma vez para o grupo. "Saiba que eu sou perfeitamente capaz de vencer vocês em qualquer jogo que exista." - Com um olhar cerrado, quase que por instinto, a menina sentou-se na roda da jogatina assim que um dos homens abriu espaço para que ela o fizesse.


Depois de juntar-se aos homens, percebeu o quão baixa realmente era em comparação a eles. Mesmo assim, o semblante da Gennin permanecia completamente confiante. Aquele jogo já estava ganho, pensava. Em nenhum momento uma sensação de perigo passou pela sua cabeça. "Primeiro, é preciso apostar uma certa quantia. Pode ser algo pequeno, para come--" - Azuka imediatamente o interrompeu abrindo a sua bolsa e colocando quase metade de seus ryous no caixote. "Eu disse que é impossível eu perder para vocês." - Todos riram, exceto a menina. Não via graça nenhuma na situação, seus olhos apenas viam a vitória que jazia à frente. Com os ombros tensionados e olhos fixos na mesa, ela apenas esperava as regras serem explicadas. Um dos indivíduos deu um longo olhar de estranheza na menina antes de começar a falar. "O jogo funciona assim..." – Dizia, enquanto recolhia os dados e colocava-os em um copo. "Cada jogador na mesa aposta uma certa quantidade de ryous. Em seguida, pegam-se três dados, os colocam em um copo e os lançam. Depois, somam-se os valores dos dados para decidir a pontuação vencedora... simples, não?". "Ha! Só isso?" - Exclamou a garota, confiante, rapidamente pegando um grupo de dados e os lançando do copo. 3-4-5! Facilmente derrota os outros homens que apenas chegam em pontuações abaixo de 10. "Eu disse que não perderia!" - Dizia, cheia de si, enquanto pegava os ryous do caixote. Jogaram mais uma vez, só que a garota apostou mais. 4-4-5! Ainda melhor do que a última. A menina já estava certa da sua vitória, até que foi superada com uma pontuação de 5-4-6. “Não se pode vencer todas...” – consolou o homem, enquanto pegava mais da metade das economias da menina. “I-Isso foi sorte!” – Desconsertada, lançava mais uma vez, sem pensar. Perdeu de novo. De novo.  E de novo. Até que não lhe restaram mais economias. A garota estava quebrada.


“Que maré de azar, não?” – O homem dizia sarcasticamente, corado de emoção, enquanto pegava os últimos ryous da Gennin, rindo sem parar. A menina deu um salto e correu para longe sem dizer nada. Aquilo não era possível... não tinha como ela perder tantas vezes seguidas. Ninguém era melhor do que ela. Parou apenas quando chegou em um local calmo o suficiente para descansar. Caindo de costas no chão, sequer podendo jogar de novo, por falta de dinheiro, começou a olhar fixamente para a lua, que agora estava nítida no céu. No silêncio que agora tomava conta da sua mente, Azuka podia finalmente reorganizar seus pensamentos. Respirando fundo, lembrou-se que um dia escutou que a lua tem um lado escuro... e que este nunca pode ser visto pelas pessoas, porque está sempre voltado para o sentido oposto. É engraçado como até a lua tem segredos, pensou. Sentando-se no chão, arregalou os olhos ao perceber uma coisa. “É isso! É como se fosse a lua!” – Exclamou, mesmo estando sozinha.


“E-ei, olha lá! É aquela menina de novo!” – Um dos homens alertava o grupo ao redor do caixote, enquanto via a menina correndo em alta velocidade em direção a eles. “Será que ela veio chorar pelo dinheiro de volta?” – Todos riram um uníssono, mas foram interrompidos pela menina dando um soco na mesa. “Mais uma vez! Uma última vez!” -. A surpresa de todos na mesa fez com que o silêncio reinasse por alguns instantes antes que houvesse uma resposta. “Mas você não tem nada sobrando, menina, lamento. Não jogamos de graça” – Riem, até que a menina sobe encima da mesa. “Eu.” – Disse, de braços cruzados e com um sorriso confiante. “Você...? O que quer dizer com isso?” – Perguntou. “Eu estou ME apostando. Se ganharem podem fazer o que quiserem comigo.” – Silêncio durante muito tempo. A menina parecia não entender as circunstâncias do que acabava de apostar. “E o que nós iremos apostar, então, menina?” -. “Quero todo o dinheiro que pegaram de mim e a declaração de que eu sou superior a vocês.” – Os homens riram.

Azuka, antes de qualquer outro na mesa, pegou o copo e começou a chacoalhar os dados dentro dele. O homem à sua frente fez o mesmo, logo em seguida. “Tem certeza de que quer fazer isso?” – Perguntou o homem, rindo. “Vamos logo.” – Impaciente, a garota apoiou o copo de cabeça para baixo no caixote, pronta para revelar os dados. "Acho bom estar preparada para perder, garota" - Enquanto ria descontroladamente, o homem revelou o copo que acabara de apoiar no caixote... 2-3-1. "O-o que?! Isso não...!" -. "Tarde demais pra voltar." - Azuka levantou o copo o mais rápido possível, antes que alguém ao seu redor fizesse algo. 6-5-6! Com exceção da Gennin, todos ao redor pareciam completamente confusos. "Hehe... Agora, os meus ryous." - Enquanto tentava se esticar para alcançar o dinheiro que estava apoiado no centro do caixote, foi interrompida pelo seu oponente. "Ficou louca?! você trapaceou!" - Exclamou. "Não vamos te dar uma moeda sequer. Ei, vamos embora." -. "Mas vocês também trapacearam!" -  Os homens saíram correndo antes que a menina pudesse reclamar.


De qualquer forma, Azuka estava satisfeita. Havia provado que era melhor do que eles. Pegando um dos dados da mesa as suas suspeitas se confirmaram: os dados que o homem estava usando apenas possuíam lados 4, 5 e 6. Porém, sempre iriam parecer dados ordinários, porque, independentemente do ângulo, apenas três faces de um dado são possíveis de serem vistas. O segredo estava no lado escuro do dado, que sempre estava do lado oposto do observador. Assim, sabia que seu oponente estava trocando os dados no copo em algum momento. Suas linhas de Chakra foram mais do que suficientes para achar estes dados extras e trocá-los de lugar com os próprios dados dela, por debaixo do caixote. Amanhecia, a garota deveria voltar para casa agora. Ou comprar alguma coisa para comer, principalmente porque pegara a sacola de ryous com sua linhas de Chakra durante o jogo. Mesmo não percebendo, a garota acabou aprendendo uma lição muito importante na situação mais inusitada: o fato de que jogar limpo nunca compensa.